A Situação dos Cristãos na Síria

Foi como todas as outras conferências cristãs de que já participei, mas, ao mesmo tempo, foi bem diferente.

Nós nos encontramos num hotel em Chataura (no Líbano), a cerca de trinta minutos de carro da fronteira entre a Síria e o Líbano. Todos os participantes haviam chegado de Damasco — Sem — como a chamam… como o filho bíblico de Noé. Eu conhecia apenas alguns dos líderes da conferência, mas nenhum dos que eu conhecia tinha vindo da Síria.

Eram cerca de 200 participantes — falando árabe ou, mais precisamente, árabe e siríaco. Acontece que certo número dos participantes é de Maalula, antigo enclave cristão, retendo, até bem recentemente, a herança da igreja siríaca e falando a língua que Jesus falou — o aramaico que, devido à influência romana, veio a ser conhecido como o siríaco.

Ajudou o fato de eu andar lendo um bocado acerca da antiga igreja siríaca. Pelo menos eu tinha uma noção da nobre herança que possuem e como a igreja deles, ainda que dizimada por perseguições e opressões, permanece como testemunho de um corpo vibrante que se expandia e se espalhava por toda a área do Oriente Médio, desde Antioquia até Bagdá e regiões mais distantes. Maalula é o último posto avançado da antiga fé síria. Quanto à cidade, é construída na encosta de uma montanha que proveu refúgio em guerras e ondas de perseguição do passado.

Maalula orgulha-se de suas antigas igrejas, mosteiros e cidades santas. Talvez você saiba que a guerra na Síria minou o enclave antes cristão. Treze freiras foram recentemente sequestradas sob a ocupação de Maalula pelas forças rebeldes lideradas pela frente al-Nusra — organização ligada à al-Qaeda. Felizmente, as irmãs foram libertadas após três meses. As pessoas de Maalula que encontrei foram forçadas a deixar as casas por causa da destruição e das pilhagens brutais. Muitos disseram que tiveram a casa destruída. Eles fugiram para Damasco. Ainda que não se tenha falado abertamente, fiquei sabendo que alguns sofreram morte violenta porque se recusaram a renunciar à fé cristã.

Depois havia os outros sírios que vinham de Damasco. Percebi muitos deles ansiosos para falar da guerra e da destruição que estão assolando o país deles. Vários disseram que quando os bombardeios começaram, as ruas se esvaziavam de imediato, enquanto todos buscavam abrigo. Hoje em dia, os tiros de morteiros recorrentes são tão comuns que pouca gente reage. Mas há mortes todos os dias. Uma senhora aproximou-se de mim e me contou sua história com lágrimas. Seu filho fora levado em custódia poucos meses depois do início dos conflitos. Só depois de semanas ela recebeu a certidão de óbito dele. Ela tem mais um filho que logo terá idade suficiente para o serviço militar obrigatório. Ela me implorou que a ajudasse a tirá-lo da Síria. “Ele é tudo o que me resta e eu sei que vão matá-lo também.”

Outro participante compartilhou comigo que Damasco está se enchendo de refugiados internos. Eles fugiram de Homs, Alepo e outras cidades devastadas. Com o deslocamento interno, é difícil saber quem é combatente e até mesmo quem é o inimigo.

Em meio a essas conversas, estávamos desfrutando de uma conferência completada com músicas vigorosas de adoração, ensino apaixonado e seminários discutindo os desafios do casamento cristão e da vida cristã numa sociedade caótica. Era uma conferência cristã… como muitas outras, mas tão diferente.

Outras expressões menos dramáticas de sofrimento foram partilhadas durante a conferência. Por exemplo, muitas das moças estão percebendo que a janela da oportunidade para casamento está se fechando lentamente. Os homens estão morrendo ou fugindo. Ninguém está preparado para assumir a responsabilidade do casamento numa sociedade em processo de autodestruição.

Sobejam emergências médicas. Muitos pediram orações por cura. Dois jovens estudantes de medicina me informaram que a maior parte dos equipamentos médicos mais avançados havia sido confiscada ou pilhada pelos combatentes. Eles lamentavam o fato de que as clínicas médicas mais conceituadas do país já não podem ostentar qualidade internacional. A guerra afetou todos os setores.

Uma vez por semana eles se reúnem na igreja para orar pelos desaparecidos. Alguns foram levados como reféns, sequestrados, cooptados pelas forças de combate. Alguns jamais voltarão a ser vistos. Mas eles oram.

Onde eu quero chegar? Primeiro, fui confrontado com o fato de que preciso me importar. Ver a devastação num computador ou na tela da televisão é horrível, mas também entorpece. Ouvir as experiências reais vividas por irmãos e irmãs na Síria é um toque de despertar. O fato de eu saber que escrevo isto em Beirute e estou seguro em meu apartamento, enquanto eles voltaram para casas vulneráveis a tiros de morteiros, me insta a orar e a acompanhar os desdobramentos com um pouco mais de atenção e a compartilhar a carga com os leitores deste blog.

Será que nos importamos? Eu sei, eu sei… o que podemos fazer?

A verdade é que eu estava um tanto crítico quanto à guerra… por lá. Pessoalmente não me agrada a política de guerra de meu país. Aliás, acreditava que provavelmente essa guerra não terminaria bem. O encontro com Mounir, Layla, Elias, Abd al-Kaim e os outros 200 seguidores de Jesus nesta conferência lembrou-me que qualquer fim para esta guerra será um bom termo.

Também fui defrontado com outra realidade. Embora eu possa ser crítico, meus irmãos e irmãs ali estão 100% interessados na terra natal deles. Repetidas vezes, diziam: “não vamos sair”. A sala de conferência pulsava com as vozes suplicantes dos sírios quando cantavam “baarik Suriya” (abençoa a Síria). Imagine uma sala repleta de adoradores cansados de guerra clamando a Deus em lágrimas, com as mãos e as vozes elevadas em cântico:

Por mais escura que seja a terra, o céu está cheio de luz.

Assim como Neemias chegou a ti chorando, suplicando,

Também chegamos elevando nossas vozes, ó Jesus, estende tua mão!

Baarik Suriya. Baarik Suriya,

Tu que ouves as orações do coração de todas as pessoas

Volta-te para nós e ouve nosso clamor.

Onde quer que esteja neste momento, lembre-se que seus irmãos e irmãs estão ali. Seja qual for seu nível de conforto hoje, lembre-se que eles estão expostos à morte e a injúrias neste dia. Qualquer que seja sua posição política ou opinião acerca da guerra síria, lembre-se que você está ligado às pessoas ali pela família de Deus.

Uma última coisa… Para mim, foi importante encontrar-me com irmãos e irmãs em Cristo que sofrem o trauma da guerra síria. Entretanto, era constantemente lembrado de que eles entendem a igreja como a grande esperança de paz e reconciliação para todos os sírios — muçulmanos, cristãos, drusos e todos os outros. Soa como uma igreja com uma missão. Eles me lembraram que se não fossem “irmãos e irmãs em Cristo” ali, ainda seriam “irmãos e irmãs na humanidade”. A matança indiscriminada afeta a todos. Isso é motivação abundante para se preocupar com a guerra na Síria.

Eu disse a eles que pediria a meus irmãos e irmãs nos outros países que orassem por eles. Parece que isso lhes trouxe esperança. Então será que você pode… dar um tempinho? Ore pela Síria hoje.

Abençoe a Síria!

Mike Kuhn serve como docente de apoio para o Módulo sobre Cristianismo no Oriente Médio e Norte da África no programa de Mestrado em Religiões e Culturas do Oriente Médio e Norte da África, no IMES (Instituto de Estudos do Oriente Médio – http://imeslebanon.wordpress.com) em Beirute. Mike e sua família estão há mais de 22 anos trabalhando entre muçulmanos e cristãos na França, Norte da África e no Oriente Médio.

Tradução: Lucy Yamakami

(Autorização para tradução ao português concedida pelo IMES ao “CENTRO DE REFLEXÃO MISSIOLÓGICA MARTUREO” – www.martureo.com.br)

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