Alá é Deus? – Parte 3

Artigos escritos a partir da polêmica iniciada na Wheaton College sobre se muçulmanos e cristãos adoram o mesmo Deus

A seguir estão os ensaios 5 a 11 de um total de 23 que a EMS – Evangelical Missiological Society [Sociedade Missiológica Evangélica] publicou como uma edição especial do Occasional Bulletin em 2016.

Textos 1 a 3 disponíveis aqui.
Textos 4 a 7 disponíveis aqui.

 

A QUESTÃO SUBJACENTE À “PERGUNTA SOBRE O MESMO DEUS” E AS IMPLICAÇÕES MISSIOLÓGICAS DAÍ RESULTANTES

Fred Farrokh

Quando eu era um menino muçulmano, nosso instrutor na mesquita me ensinou a ter medo de ilusões de ótica. Assim como muitos muçulmanos, aprendemos desde cedo a recitar a Surata Falaq, que declara: Qul a’oodhu bi Rabbil Falaq… min shirri nafathaati fil uqad [“Busco refúgio no Senhor da Alvorada… contra o mal daqueles que sopram os nós”] (Q 113.1, 4). “Daqueles que sopram os nós”, assim nos ensinaram, eram mágicos que davam a impressão de poder desatar grandes nós apenas soprando neles – ilusões de ótica.

Em uma ilusão de ótica, há sempre algo inexplicado por detrás da cena. No verso acima, é a prestidigitação do mágico, um engano maligno do qual os muçulmanos buscam proteção. Na “pergunta sobre o mesmo Deus” (psmD) há algo – ou alguém – que deve ser explicado como estando por trás da cena: o Senhor Jesus Cristo.

A “pergunta sobre o mesmo Deus” me parece ser uma ilusão de ótica teológica: “cristãos adoram um Deus; muçulmanos adoram um Deus; a própria criação física aponta para um Criador. Portanto, cristãos e muçulmanos devem de fato adorar o mesmo Deus”.

A questão que apresento aos que argumentam que cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus é: considerando que a Bíblia ensina que Jesus é Deus, e considerando que o islã ensina que Jesus não é Deus, como então é possível que cristãos e muçulmanos adorem o mesmo Deus?

Nunca fui capaz de conciliar essa “questão subjacente”. Então, enquanto admito que cristãos e muçulmanos buscam adorar a Deus, creio que é impossível que eles estejam adorando o mesmo Deus.

Implicações missiológicas de concluir que não adoramos o mesmo Deus

Como professor de missiologia atualmente, sempre ensino aos alunos que a teologia deve vir antes da missiologia, e não o contrário. Precisamos primeiro entender e internalizar o que cremos (teologia), e então, a partir dessa base, criar estratégias para convidar outros para a família de Deus (missiologia). Se conformamos nossa teologia a uma missiologia predeterminada, invertemos o paradigma. O erro acontecerá, e nos tornaremos incapazes de auxiliar aqueles a quem ansiamos por ajudar – nesse caso, os muçulmanos.

Se examinarmos com cuidado, muito da controvérsia missiológica no ministério com muçulmanos deriva diretamente da psmD teológica. Se concluímos corretamente que os muçulmanos não adoram o Deus da Bíblia, teremos uma motivação tremenda para alcançá-los com o evangelho. Veremos o verdadeiro estado de perdição diante de Deus em que eles se encontram (ainda que os muçulmanos não estejam mais perdidos que qualquer outro grupo não salvo).

Ainda que alguns possam ficar preocupados com minha conclusão teológica quanto à psmD criar um clima de beligerância em nosso relacionamento com muçulmanos, minha resposta é que é esse o ponto em que a estratégia missionária se inicia. Não é necessário argumentar com os muçulmanos a respeito da psmD. Não precisamos iniciar uma conversa com um muçulmano dizendo: “Gostaria de lhe informar, caro Ahmed, Fatimeh, Mustafá etc., que você adora um deus diferente do que eu adoro”. O ponto em questão é que nossa deliberação teológica criou uma urgência missiológica, e, por isso, precisamos nos envolver em alcançar nossos amigos muçulmanos com o evangelho. Além disso, minha conclusão teológica quanto à psmD não nos proíbe de afirmar a intenção positiva, niyya em árabe, dos muçulmanos quanto à sua fé e prática.

Implicações missiológicas de concluir que adoramos o mesmo Deus

Se como cristãos concluirmos que os muçulmanos adoram o Deus da Bíblia, miríades de problemas vão acontecer a partir desse erro. Primeiro, seremos atraídos à teologia do islã que diminui Cristo, e nosso glorioso Salvador Jesus Cristo encolherá diante dos nossos olhos. Esta é a verdadeira tragédia do islã: Maomé transfigurou Jesus de Rei dos Reis e Senhor dos Senhores para seu servo dos servos. Na verdade, as funções primárias de Jesus no islã são: 1) assegurar ao povo que ele não era divino e não permitir que o adorem (Surata 5, 72, 116) e 2) predizer a vinda de Maomé (Surata 61.6).

Segundo, se de fato os muçulmanos já estão adorando o Deus verdadeiro, não teremos ímpeto missional para alcançá-los. Um de meus missionários favoritos foi o notável William McElwee Miller, um cristão presbiteriano que trabalhou no Irã, minha terra ancestral, de 1919 a 1961. Desejando com intensidade a salvação dos iranianos, Miller solicitou que fosse duplicado o número de missionários enviados ao seu campo. Contudo, devido ao liberalismo teológico que invadiu sua denominação durante o período de seu ministério missionário, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América cortou o envio missionário quase que inteiramente, para a angústia de Miller. Nesse caso, o comprometimento teológico resultou em colapso missional.

Terceiro, com as migalhas missiológicas que sobrarem, teremos a tendência de afirmar Maomé e o Alcorão, pois teremos concluído que Maomé, como mensageiro do Alcorão, aponta para o mesmo Deus que adoramos como cristãos. Além disso, considerando que Maomé deu revelações mais recentes a respeito de Deus que os profetas bíblicos, seremos sugestionados a aceitar suas opiniões a respeito de Deus, enlaçadas como estão com ideias antibíblicas.

Considerações finais

Concluirei no ponto em que iniciei, isto é, minha educação como muçulmano. Podemos pensar que estamos sendo assertivos e harmoniosos em relação aos muçulmanos ao asseverar que todos adoramos o mesmo Deus. Todavia, muitos muçulmanos sabem que os cristãos adoram Jesus como Deus. Por conseguinte, qualquer afirmação que todos adoramos o mesmo Deus é, na verdade, ofensiva para muçulmanos bem informados. Mais que isso, muçulmanos astutos, que buscam a expansão do islã, irão detectar, por conta do nosso espírito vacilante, que estamos teologicamente aptos para sermos absorvidos no islã.

Em vez de tentar remover o escândalo de Jesus, aconselho que, como cristãos, ajudemos os muçulmanos a entender que o que consideram como pedra de tropeço não os fará cair, na, na verdade, elevá-los ao céu.

 

Sobre o autor
Fred Farrokh é treinador internacional da Global Initiative: Reaching Muslim Peoples [Iniciativa Global: Alcançando Povos Muçulmanos].

 

CONSTRUINDO PONTES DE PAZ EM MEIO À DIVERSIDADE RELIGIOSA

Sarita D. Gallagher

A questão – “Cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus?” – capta nossa atenção e tem potencial para gerar polarização. Os eventos ocorridos na faculdade Wheaton, onde me formei, levaram essa controvérsia a uma plataforma de discussão nacional. Ao longo da história, historiadores dos mundos muçulmano e cristão têm discutido essa questão pertinente, incluindo eruditos como Martinho Lutero, Nicolau de Cusa, João de Segóvia, Ahmad Ibn Taymilyah e, mais recentemente, Phil Parshall, Dudley Woodberry, Timothy George, Reza Shah-Kazemi e Miroslav Volf. A questão de uma divindade abraâmica tem sido analisada a partir de uma variedade de perspectivas: linguística, teológica, política, sociocultural, histórica e missiológica. A despeito de séculos de discursos debatendo a natureza e a identidade do Deus abraâmico, essa questão permanece relevante para nosso mundo hoje, e exige um exame atualizado.

Na missiologia, a discussão concernente ao relacionamento entre o islã e o cristianismo tem focado primariamente na questão da contextualização do evangelho entre povos muçulmanos. Desde os primeiros esforços missionários de líderes cristãos, tais como Francisco de Assis no século 13, missionários cristãos têm buscado construir pontes de comunicação e respeito mútuo com líderes e fiéis muçulmanos ao redor do mundo. Entender que os povos muçulmanos são criados e amados por Deus tem sido fundamental nesse esforço. A história familiar compartilhada desses dois credos por intermédio de Abraão, a epistemologia da palavra árabe “Alá” e aceitação islâmica de partes dos escritos proféticos judaicos e cristãos têm sido, para muitos missionários, uma plataforma para abertura de portas de diálogo inter-religioso respeitoso e testemunho cristão.

Enquanto a contextualização é amplamente aceita na missiologia, a questão de um Deus compartilhado é mais controversa. As razões primárias para essa divisão incluem as questões soteriológicas e cristológicas que estão na base da discussão, como a salvação por Cristo, a divindade de Cristo, a revelação divina e a questão da particularidade versus universalidade. Por trás da questão de uma divindade abraâmica compartilhada, está uma multidão de implicações teológicas substanciais. Por exemplo, se Alá é Deus, então a religião islâmica é de Deus? Javé falou a Maomé ibn Abdullah por intermédio do anjo Gabriel na caverna de Hira no ano 610 d.C? Se foi assim, o Alcorão contém novas revelações da parte de Deus? Se for esse o caso, os ensinos corânicos a respeito de Jesus de Nazaré devem ser considerados. De acordo com o Alcorão, Jesus nasceu de uma virgem (Surata 19.16-21), mas foi criado por Deus (3.59). Além disso, Jesus é entendido como sendo um ser humano e um mensageiro de Deus, mas não é Deus (5.75). Conforme o Alcorão, Jesus não foi crucificado, nem ressuscitou dos mortos. Ao invés disso, Deus ascendeu Jesus em seu estado humano aos céus (4.157-158). Por fim, mesmo voltando no fim dos tempos, Jesus irá rejeitar totalmente que ele é Deus, além de negar o ensino herético da Trindade (4.159; 5.116-118).

Ao responder à questão “Cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus?”, as implicações missiológicas de cada resposta são vastas. Conquanto seja tentador responder a essa pergunta com um simples “sim” ou “não”, é necessário um exame teológico cuidadoso. Enquanto me encontrava com meu grupo de diálogo inter-religioso hoje cedo em Portland, Oregon, eu me lembrei da importância de construir pontes de paz em meio à diversidade religiosa. Ao avançar na discussão, é crucial que reconheçamos a diferença teológica única entre cristianismo e islã, enquanto também continuamos com nosso compromisso de buscar relacionamentos pacíficos com nossos vizinhos muçulmanos.

Obras citadas

IBN TAYMIYAH, Ahmad. Jawab al-Sahih li-Man Baddala. Din al-Mais. 1316.

GEORGE, Timothy. Is the Father of Jesus the God of Muhammad? Understanding the Differences Between Christianity and Islam. Grand Rapids: Zondervan, 2002.

JOÃO DE SEGÓVIA. De Mittendo Gladio in Saracenos. Século XV.

LUTHER, Martin. On War Against the Turk. 1529.

NICOLAS DE CUSA. De Pace Fidei. 1453.

PARSHALL, Phil. The Cross and the Crescent. Wheaton: Tyndale House, 1989.

SHAH-KAZEMI, Reza. “Do Muslims and Christian Believe in the Same God” in Do We Worship the Same God? Jews, Christians and Muslims in Dialogue. Miroslav Volf (Ed.) Grand Rapids: Eerdmans, 2012.

VOLF, Miroslav. Allah: A Christian Response. New York: Harper One, 2011.

WOODBERRY, J. Dudley. “Contextualization Among Muslims Reusing Common Pillars”. International Journal of Frontier Missions. Vol. 13:4 (Oct-Dec. 1996): 171-186.

______ Muslims and Christians on the Emmaus Road. Monrovia: MARC, 1989.

 

Sobre a autora
Sarita D. Gallagher é professora associada de Religião na George Fox University.

 

IMPLICAÇÕES MISSIOLÓGICAS DE RESPONDER A UMA QUESTÃO DIVISIVA

David Greenle

Quando Bob Priest interrompeu meu fim de semana na virada do ano com um pedido para contribuir com esta discussão, eu me lembrei na hora de uma piada contada por Emo Phillips há 30 anos[1] sobre dois homens que se encontraram em uma ponte. Eles ficaram contentes porque não apenas eram cristãos, mas também compartilhavam uma origem comum na Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos. Continuaram a conversar, e descobriram que um era da Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos de 1879, e o outro, da Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos de 1912. Aí, então, o primeiro disse: “Morra, herege!”, e empurrou o outro da ponte.

O humor aproxima-se perigosamente da realidade. Nos últimos anos, meu coração frequentemente tem ficado triste enquanto observo amigos sendo “empurrados da ponte” por alguns que, sem que lhes fosse perguntado, consideraram “a Convenção de 1912” como a única resposta correta. Sendo filho de missionário e filho de professor de seminário, sei que empurrar hereges da ponte não é um padrão novo de comportamento “cristão”.

Tome cuidado: fazer missiologia pode ser perigoso. Não conheço Larycia Hawkins, e meus contatos com Wheaton não são próximos; seria pretensão da minha parte tentar explicar ou endossar qualquer uma das ações deles. Entretanto, a primeira implicação missiológica que extraio é: tome cuidado, pois responder a uma pergunta divisiva pode ser perigoso. Seja lá o que for que acontecer com os protagonistas, a disseminação do caso da Wheaton pela Internet não oferece benefício algum para as minorias cristãs nas sociedades muçulmanas.

Questões mal formuladas e fontes de informação pobres (poorly-chosen) resultam em uma missiologia pobre. A “verdade”, conforme ouvida por um júri, é filtrada por questões cuidadosamente construídas, e apresentadas às testemunhas. Questionários de satisfação de clientes empurram para certas respostas (são autorrespondidas caso eu não esteja “altamente satisfeito” em um determinado ponto).

‘Inclinação para confirmação’ é a tendência que todos temos de procurar e interpretar informações de modo a confirmar nossas pressuposições. Ao invés de interagir com opiniões opostas fortes, criamos espantalhos; poucos de nós fortalecem os argumentos e buscam com seriedade evidências de que talvez estejamos errados.

Um homem da Ásia Central, respondendo a um comentário levantado por membros do nosso grupo-base na Suíça há alguns anos, disse: “Claro que eu não troquei de deuses quando confiei em Jesus Cristo. Por que você pensaria algo assim?”. Entre muçulmanos que conheço que se voltaram para a fé em Jesus Cristo, muitos – mas não todos – diriam mais ou menos a mesma coisa.

Logo, é um perigo quando acumulo evidências na direção daquilo em que acredito porque fico mais à vontade ouvindo o que meus amigos têm a dizer e lendo artigos que compartilham da minha opinião do que ouvindo com mente aberta os que assumem posições diferentes. Mas a reflexão missiológica é mal elaborada quando modelamos nossas perguntas de maneira que lancem somente luz filtrada sobre nosso objeto de estudo.

A língua e a cultura afetam minhas perguntas e, por conseguinte, minhas respostas; por mim mesmo, vejo apenas parte do quadro. Uma tradutora que insere legendas em programas de televisão contou que ficou perplexa com uma determinada situação. Um interlocutor de língua inglesa declarou: “Nós não cremos em Alá, nós cremos em Deus”. Para legendar essa frase em árabe, ela teria de ter escrito (em uma tradução ao reverso): “Nós não cremos em Deus, nós cremos em Deus”. Meu exemplo bastante simples serve para nos lembrar que nossas perguntas e padrões de pensamento são moldados pelo idioma.

Richard Jameson descreve o impacto da cultura em questões a respeito de Deus, fé, vida e mundo. Os árabes têm a tendência de ter foco em limites bem estabelecidos, enquanto os indonésios têm foco na harmonia. Muçulmanos que confessaram a fé em Jesus em sociedades árabes tendem a fazer perguntas do tipo: “Alá, tal como os muçulmanos o identificam, é o mesmo Deus YHWH identificado pelos judeus e cristãos nas Escrituras deles?”. Já os crentes indonésios fazem perguntas do tipo: “Há verdade o bastante a respeito de Alá tal como é identificado pelos muçulmanos para que seja usado como ponto de partida para levar um muçulmano ao pleno conhecimento do Deus da Bíblia?”.[2]

Ambas as abordagens são válidas; ambas, incompletas. Seja falando de uma estrutura teológica firmemente estabelecida ou de uma cosmovisão enraizada na cultura, preciso que os outros me ajudem não apenas para ver o todo, mas até para saber em que direção olhar.

Estou construindo pontes ou levantando barreiras? É sempre certo responder à toda pergunta? Discrição é (ainda) uma virtude, ainda mais em nossa era da Internet. Questões válidas, perguntadas ou respondidas da maneira errada e por motivos errados, podem se tornar um teste de tornassol teológico cuja intenção é separar e dividir, um arame farpado que nos mantém sob controle e mantém distantes aqueles a quem tememos. Comprometidos com a verdade, como Tiago era, podemos expressá-la, como ele o fez, de maneira a não “pôr dificuldade aos gentios que estão se convertendo a Deus” (At 15.19)?

Eu ainda me pergunto se podemos responder à pergunta “Cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus?”. Que muçulmanos? Que cristãos? “Adorar” de uma perspectiva de rito e tradição, ou no sentido de vidas como sacrifícios vivos? “Mesmo” em termos de fato ontológico do único Deus Todo Poderoso, Criador de todas as coisas, ou “mesmo” em suficiente congruência quanto aos detalhes da crença?

Se opto pela segunda abordagem de igualdade, fico a me perguntar: quantos erros pode haver em minha crença para que eu adore a Deus e não a um falso deus? O Pai amoroso que uma amiga testemunhou conhecer é o mesmo ser que ela imaginava que ele era quando adolescente, ou seja, um ogro zangado? Adoramos o mesmo Deus dos protestantes liberais, o “Jeová” das Testemunhas de Jeová ou o Jesus dos “Pentecostais da Unicidade”?

O que cremos faz diferença. Mas Deus é definido pelo que ele é, não pelo que eu creio a respeito dele. Em vez de focar no culto ou na crença (que são importantes), uma questão mais frutífera para os missionários, se não para a missiologia, deve ser: “Nós conhecemos o mesmo Deus?”.

A paz importa? Ao contrário da situação de muitos cristãos em muitos lugares nos quais já vivi, para os norte-americanos, as questões do pluralismo religioso eram, até recentemente, questões de argumentação teológica, não algo a ser aplicado na vida diária. Questões que são lugares comuns há muito tempo em outras regiões agora nos perturbam.

Saber em que cremos, e no que os outros creem, é importante. Declarações unilaterais a respeito do que os outros creem são de pouco proveito para a construção da paz entre as comunidades. Levando em conta o medo crescente na sociedade americana, em vez de falar a respeito deles, não poderíamos falar mais com os muçulmanos e com outros em uma espécie de discussão ao redor da mesa de refeição (adaptando uma expressão que Valdir Steuernagel utilizou em uma conferência em Foz do Iguaçu, Brasil, há 15 anos)? Se, pelo menos por um tempo, deixássemos de lado os antigos pontos de debate, poderíamos descobrir que a exploração sensitiva não apenas a respeito do que cremos a respeito de Deus, mas do que esperamos para nossos filhos, poderia contribuir para o processo de construção de paz em mundo cada vez mais cheio de medo e cada vez mais despedaçado.

 

Sobre o autor
David Greenlee (Ph.D. TEDS 1996) trabalha com a Operação Mobilização (OM) desde 1977, vivendo a maior parte deste tempo fora dos EUA. Editou os livros From the Straight Path to the Narrow Way (publicado por IntervVarsity) e Longing for Community (William Carey), e é autor de vários artigos relacionados a muçulmanos encontrando a fé em Jesus Cristo. As opiniões expressas neste texto são dele, não necessariamente da OM.

 

QUAIS SÃO AS IMPLICAÇÕES MISSIOLÓGICAS DE AFIRMAR OU NEGAR QUE CRISTÃOS E MUÇULMANOS ADORAM O MESMO DEUS?

Mark Hausfeld

As implicações missiológicas de identificar o Deus da teologia muçulmana e o da teologia cristã como o mesmo estão no centro das pressuposições missiológicas que determinam a ortopraxia missiológica em todos os demais aspectos [do trabalho entre os muçulmanos]. A prática missiológica está enraizada na ortodoxia teológica. A questão para muçulmanos e cristãos é: qual é a base teológica para as suas crenças? Para o muçulmano, a base teológica de crença está no Alcorão, e talvez no Hadith (os supostos ditos de instrução de Maomé, o profeta do islã). Já o epicentro teológico da crença e prática do cristão está na Bíblia. A verdade absoluta a respeito da igualdade de Deus, tal como percebida pelos muçulmanos ou cristãos, depende de como o indivíduo entende o texto sagrado, se o vê como verdade absoluta, e não mero raciocínio filosófico ou expressão de um desejo emocional. O indivíduo decide a diferença ou não de Deus a partir dessa pressuposição básica.

Quando eu era jovem e trabalhava como missionário no sul da Ásia em uma nação muçulmana muito conservadora, inicialmente acreditava que o Deus do islã e do cristianismo eram o mesmo. Entretanto, com o passar do tempo – ao adquirir experiência junto ao povo muçulmano, após muitas leituras do Alcorão, e tendo me familiarizado com os Hadiths de Maomé – dei uma guinada de 180 graus. Em termos teológicos, o Deus do Alcorão e de Maomé assemelha-se ao Deus da Bíblia no que a Bíblia afirma sobre “um só Deus” criador. Mas, mesmo o conceito de “um só Deus” rapidamente depara-se com uma bifurcação uma vez que o Deus das Escrituras inspiradas é um Deus em três pessoas, Trindade bendita. Claro, isso é blasfemo para os muçulmanos, então até mesmo isso tem um aspecto comum limitado. Mas não se trata de um impedimento para desenvolver uma missiologia teologicamente saudável para envolvimento com o povo muçulmano por causa do evangelho.

Em meus esforços para alcançar muçulmanos, desenvolvi relacionamentos com eles na mesquita, em restaurantes e na grande universidade estatal em nossa cidade. Geralmente meus contatos e amigos muçulmanos diziam: “Nós servimos ao mesmo Deus”. Eu não retrucava. Não há necessidade de, no início do desenvolvimento do meu relacionamento com muçulmanos, retrucar dizendo: “Não, nós não servimos ao mesmo Deus”. Isso não é relevante para a proclamação do evangelho se meu amigo muçulmano ainda não teve a oportunidade de ler a Bíblia. Minha compreensão bíblica, para ele, não faria sentido algum. Portanto, considerando que meu entendimento de Deus vem do contexto da Bíblia, meu amigo muçulmano alcançará tal compreensão de quem Deus é a partir de seu envolvimento com a Bíblia, ao lê-la por si. Depois de tudo, eu digo: “Li o seu livro sagrado muitas vezes e cheguei a algumas conclusões. Por que não você não lê o meu Livro Sagrado e tira as suas próprias conclusões?”. Os resultados da pesquisa a seguir reforçam a primazia do Deus da Bíblia como núcleo do nosso envolvimento missiológico com povos muçulmanos.

Uma pesquisa com 750 muçulmanos convertidos ao cristianismo identifica cinco razões predominantes pelas quais eles escolheram seguir a Cristo. Os que responderam à pesquisa são oriundos de 30 países e 50 grupos étnicos. A pesquisa foi preparada pela Fuller Theological Seminary’s School of Intercultural Studies [Escola de Estudos Interculturais do Seminário Teológico Fuller] e divulgada na revista Christianity Today [Cristianismo Hoje].

  1. O estilo de vida dos cristãos – Ex-muçulmanos citaram o amor que os cristãos demonstraram em seus relacionamentos com não cristãos e o tratamento igualitário dado às mulheres.
  2. O poder de Deus em curas e orações respondidas – Experiências do agir sobrenatural de Deus (especialmente importante para muçulmanos populares que têm uma preocupação característica por poder e bênçãos) aumentaram depois de suas conversões conforme a pesquisa. Com frequência, foram relatados sonhos com Jesus.
  3. Insatisfação com o tipo de islã que eles experimentaram – Muitos expressaram insatisfação com o Alcorão, que enfatiza o castigo em detrimento do amor de Deus. Outros citaram a militância islâmica e o fracasso da lei islâmica para transformar a sociedade.
  4. A verdade espiritual na Bíblia – Os muçulmanos geralmente aprendem que a Torá, os Salmos e os Evangelhos são de Deus, mas foram corrompidos. No entanto, esses convertidos cristãos disseram que a verdade de Deus encontrada nas Escrituras tornou-se convincente para eles e a chave para a compreensão do caráter de Deus.
  5. Ensinos bíblicos a respeito do amor de Deus – No Alcorão, o amor de Deus é condicional, mas o amor de Deus para com todos os povos foi um fator especial para abrir os olhos de muçulmanos. Esses convertidos foram tocados pelo amor expresso pela vida e pelos ensinos de Jesus. O passo seguinte para muitos muçulmanos foi tornar-se parte de uma comunidade de cristãos amorosos.

Observe a quarta razão para a conversão: “A verdade de Deus encontrada nas Escrituras tornou-se convincente para eles e a chave para a compreensão do caráter de Deus”. A Bíblia revela o verdadeiro caráter de Deus e essa verdade é de importância missiológica vital.

Dizer que o Deus do Alcorão (islã) é o mesmo Deus da Bíblia (cristianismo) é também inconsistente com pressuposições de outras seitas. O Jesus do Livro de Mórmon e Doutrinas e Convênios da Igreja dos Santos dos Últimos Dias é o mesmo Jesus da Bíblia? O que dizer do Jesus da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas das Testemunhas de Jeová? Todos eles trazem o mesmo nome Jesus, mas a pessoa e a obra de Jesus, tal como conhecidas na Bíblia, são heréticas. O uso da palavra Jesus não é errado, mas o contexto da palavra Jesus é corrompido pelo erro do contexto e pelo significado que define a pessoa e a obra de Jesus tal como reveladas na Bíblia. O mesmo é verdadeiro em relação a Deus. A palavra Deus não é enganosa em si, mas o contexto do Alcorão define um Deus diferente em natureza e caráter.

Um amigo muçulmano respondeu a uma postagem minha no Facebook na qual me referi ao “Espírito Santo”. Ele, um muçulmano sufi, perguntou por que usei a palavra “Santo” para descrever o Espírito de Deus. Respondi que o conteúdo e o contexto da Bíblia, particularmente no Novo Testamento, usam a nomenclatura “Espírito Santo”. O conteúdo em contexto direciona o significado.

Como conclusão, nossa responsabilidade missiológica é levar nossos amigos e contatos muçulmanos à verdade da natureza e do caráter de Deus revelados na Bíblia. A partir deste pressuposto, o evangelho será plantado, crescerá, e produzirá frutos eternos na vida dos convertidos.

 

Sobre o autor
Mark Hausfeld é diretor do Assemblies of God Theological Seminary [Seminário Teológico das Assembleias de Deus] e professor de Estudos Urbanos e Islâmicos, mhausfeld@agts.edu.

 

 

[1] Emo Philips, “The Best Good Joke Ever – And It’s Mine!” The Guardian (online), September 28, 2005. http://www.theguardian.com/stage/2005/2005/sep/29/comedy/religion.

[2] Richard Jameson, “Respecting Context. A Comparison of Indonesian and the Middle East”. IJFM 29.4 http://www.ijfm.org/PDFs_IJFM/29_PDFs/IJFM_29_4-Jameson.pdf.

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