Os líderes cristãos e a falta de uma visão global

“Os pastores têm um olhar muito voltado para o ministério local”, diz Mônica Mesquita em entrevista

O envolvimento de Mônica Mesquita com a Missão de Deus começou já na juventude com o Ministério Ágape, em Goiânia. O aspecto transcultural da Missão entrou em cena em 1992, quando ela já era casada com o Rev. Marcos Agripino: eles foram convidados pela organização missionária Asas de Socorro para desenvolver a área de captação de recursos da instituição. Lá, serviram até 2001, quando receberam o desafio de atuar na Agência Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT), que mantém o Centro de Formação Missiológica (CFM), voltado para a capacitação dos obreiros transculturais da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Mônica é a Coordenadora do CFM e, nesta entrevista, fala do treinamento dado aos missionários transculturais no País e da falta de visão global dos líderes cristãos brasileiros.

Como você define Missão?

Bem, os missiólogos mais proeminentes em todo o mundo estão tentando fazer isso até hoje (risos). O termo Missão é latino, não há essa terminologia na Bíblia. Se trouxermos esse termo para o contexto bíblico, o missionário seria o apóstolo, ou seja, aquele que é enviado, lançado para proclamar o evangelho. Ir e proclamar.

O que faz a APMT?

A agência começou em janeiro de 2001. Ela herdou os cerca de 40 missionários que, à época, estavam ligados à chamada Junta de Missões Estrangeiras da IPB. Hoje, a APMT conta com 240 missionários em 42 países, incluindo os que atuam no Brasil em contextos transculturais com indígenas, quilombolas, imigrantes e ciganos. Temos obreiros nos 5 continentes, mas não há foco em um bloco religioso específico, como alcançar o mundo muçulmano, por exemplo. Contudo, gostaríamos de enviar mais missionários para algumas regiões do mundo, como o Leste Europeu, o Oriente Médio e a América Central. Mas, se o candidato chega com um lugar definido, respeitamos. O direcionamento acontece quando o candidato manifesta o desejo de servir onde for mais útil. Por se tratar de uma agência ligada à IPB, só recebemos membros dessa denominação e com carta de recomendação da igreja. Além dos 240 missionários em campo, há outros 200 candidatos em preparo. O treinamento envolve, além de formação teológica em seminário ou instituto bíblico, um ano no CFM, estágio transcultural e treinamento intensivo para conhecer a agência.

A Igreja brasileira poderia enviar mais missionários? Se sim, o que impede?

Certamente poderia. Em 20 anos, uma denominação não tão grande como a nossa passou de 40 para 240 missionários. Houve um mover do Espírito. Muitos pastores de igrejas locais foram tocados para sair. Jovens casais e solteiros foram tocados. Creio que o maior impedimento seja a falta de visão da liderança eclesiástica, o despreparo ou desconhecimento. Os pastores e a liderança têm um olhar muito voltado para o ministério doméstico ou local. Quando chega um jovem que quer servir em um contexto global, essa liderança não quer “perder” essa pessoa. Mas isso é o sintoma, a causa, ou seja, o diagnóstico, está na formação desses líderes. Se você olhar para a grade de disciplinas dos seminários, verá que ela não contempla um preparo missiológico, matérias que abordem uma perspectiva global, não há esse incentivo. Tivemos algum ganho no últimos anos, mas há muito a ser feito.

Qual a sua avaliação a respeito do treinamento missiológico oferecido aos brasileiros que vão para um contexto transcultural?

Sou membro do Departamento de Educação Missiológica (DEMI) da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB). Em 2018, realizamos uma pesquisa sobre educação missiológica e treinamento missionário. Foi algo em âmbito nacional, que abrangeu diversas agências e denominações. Quem são essas instituições, onde estão e como atuam? Posso dizer que há, hoje, cerca de 30 centros de treinamento no Brasil preparando missionários para o contexto transcultural. Desses, 10 se destacam, são estruturados, com uma grade mais completa. Mas vale lembrar que a história do movimento missionário brasileiro com foco transcultural é recente, começou de fato na década de 80, e o divisor de águas foi o primeiro Congresso Missionário Ibero-americano, realizado em São Paulo, em 1987, do qual surgiu a Cooperação Missionária Ibero-americana (COMIBAM). Desde lá, demos bons passos e, neste momento, penso que estamos andando sem ter de segurar na mão da mãe, como se diz. Oferecemos um treinamento razoável, e há uma boa quantidade de instituições.

Como o currículo de Missões dos seminários e centros de treinamento poderia ser melhorado?

Podemos fazer um currículo perfeito, mas quem vai dar aula? Faltam professores habilitados. Um professor, além de ter a formação acadêmica, precisa ter experiência de campo, ser alguém que reúne teoria e prática. Se temos por volta de 40 anos de caminhada, os primeiros missionários que foram e já voltaram são poucos. Se vamos falar de islamismo, por exemplo, vamos chamar quem? Além do Marcos Amado e do Flávio Ramos, temos outras poucas boas opções. Para certos conteúdos, temos duas ou três pessoas habilitadas no Brasil. Pouquíssimos podem dar aula de Fenomenologia da Religião de uma perspectiva cristã, por exemplo.

Nesse sentido, a realidade do ensino à distância via meios digitais veio ajudar?
Mais não do que sim. Defendo que o preparo missionário não pode ser feito on-line. Você precisa conhecer caráter, postura, ver se a pessoa sabe trabalhar em equipe. Não sei quem é alguém de fato por trás de uma tela. Agora, em uma grade curricular com 18 disciplinas, duas ou três poderiam ser dadas on-line até mesmo por alguém que está fora do País. Supriria parte da falta de bons professores, inclusive. Este ano estamos trabalhando com aulas on-line no CFM por conta do momento, mas na formação integral sou totalmente contra.

O número de missionários brasileiros que vão para o campo e retornam antes do planejado é alto, isso sem levar em conta fatores ligados à pandemia. O que poderia ser feito para reduzir isso?

A maior razão hoje de retorno precoce é um preparo inadequado. Muitas igrejas locais mandam pessoas sem preparo algum ou com um preparo inadequado. Há centros de treinamento que “preparam” obreiros em três meses! É muito pouco.

O modelo atual de envio missionário como um trabalhador dedicado que é sustentado pela Igreja está em xeque?

Não posso dizer que está em xeque porque é o modelo bíblico. O tipo de relação que havia entre Paulo e a igreja de Filipos está baseado numa associação, numa parceria. Até o Senhor Jesus, ao fazer uma viagem pregando de aldeia em aldeia e de cidade em cidade, foi servido pelos recursos materiais de um grupo de mulheres. O sustento vindo da Igreja nunca vai deixar de existir, e nem pode. Paulo diz em 1 Coríntios 9.13: “Vocês não sabem que aqueles que trabalham no templo alimentam-se das coisas do templo, e que os que servem diante do altar participam do que é oferecido no altar?”. Mas é claro que existem outros modelos, como BAM, por exemplo, e eles são importantes para determinados contextos. O sustento, contudo, é prerrogativa da Igreja.

A Missão de Deus tem outras vertentes além do aspecto transcultural?

Todo mundo é missionário? Em uma instância, todo mundo é, em outra, não. Há um chamado geral e também há o chamado específico. Jesus não mandou todos os apóstolos pregarem para os gentios. Paulo foi comissionado para esse trabalho. Deus chama e comissiona toda a Igreja, e alguns ele separa para trabalhos específicos.

A pandemia pode ser entendida como um divisor de águas para o movimento missionário global? Por quê?

Está muito cedo para dar uma resposta a essa pergunta. A pandemia trouxe uma espécie de renovo, tivemos de nos perguntar: o que vamos fazer agora? A obra não pode parar, e cada um teve de se reinventar. Trouxe uma renovação de pensamento, um novo horizonte e maneiras de descortinar esse novo. Aconteceu de tudo. Temos um casal que trabalha na cidade mais islamizada do Reino Unido. A esposa é brasileira e o marido, turco. A pandemia demandou estratégias que eles nunca haviam imaginado. Eles fizeram cartões com seus contatos e espalharam por toda a região em que moram oferecendo-se para ajudar os que estavam no grupo de risco a fazer as compras. Também se colocaram à disposição para conversar com quem estava se sentido só. A prefeitura da cidade ficou sabendo, e quis ampliar a iniciativa. Os dois não estão dando conta da demanda. A pandemia extraiu de dentro de nós algo que a gente nem sabia que tinha.

O número de pessoas que se declaram evangélicas têm crescido no País, que transformações o Brasil tem experimentado fruto disso?

Minha visão é bem negativa em relação a isso. Em termos de Missão, não vejo boa parte dessas pessoas que se declaram evangélicas falarem absolutamente nada a respeito. E, se fosse um fato termos mesmo tantos cristãos evangélicos assim, o Brasil estaria desse jeito? Que evangelho é esse? Em torno de 20% da população! Onde está o sal e a luz?

O que você diria aos líderes de Missões brasileiros?

Viva com Jesus. Gaste a maior parte possível do seu dia com Jesus. Pergunte: o que o Senhor quer que eu faça? Quem o Senhor quer que eu seja? O resultado das coisas é fruto do que a gente é em Cristo. Se minha vida não estiver em sintonia plena com Cristo, o resto é palha. Tem também outra coisa. Meu irmão, se você está envolvido com Missões, como tem sido a sua participação financeira? Para quantas pessoas você tem enviado ofertas? Você tem participado do sustento dos que são chamados para a obra transcultural? Os recursos são importantes para que a obra missionária seja realizada. Os líderes de Missões têm de ser os primeiros a dar o exemplo e colocar a mão no bolso.

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