Texto cedido para publicação online pelo Movimento de Lausanne

Introdução

Escrevo como sociólogo da religião, não como teólogo. Além disso, suspeito que tenha sido convidado para ser um tipo de advogado do Diabo… mas o leitor terá de decidir sozinho quando estou falando pelo Diabo e quando por mim mesmo!

Entretanto, minha tarefa é na realidade o oposto do que os advogados do Diabo tradicionais faziam nos processos de canonização católicos à moda antiga. Ele precisava demonstrar que o candidato a santo não era tão bom como pensavam. Ele precisava vasculhar a sujeira. No meu caso, tenho de fazer o contrário: mostrar que a Teologia da Prosperidade não é tão ruim quanto muitos pensam.

Quanto a isso, o Diabo realmente tem alguns trunfos, por causa da ironia que está na base de grande parte das ciências sociais. A maioria das consequências das ações humanas é involuntária e a maioria das ideias vai se transformando quando é “encarnada” em carreiras sociais (como deve, para que tenha algum efeito). Tanto ideias como ações se transformam, para melhor ou para pior. Algumas resultam em consequências melhores do que “merecem”; outras, em piores.

Como essa ironia de consequências involuntárias se manifesta no caso da Teologia da Prosperidade? Talvez para ambas: para melhor e para pior…

Uma breve caracterização

A Teologia da Prosperidade é uma inovação bem recente (só ganhou importância na década de 80). Ainda que sua origem seja basicamente americana, encaixa-se muito bem nos conceitos preexistentes de religião e prosperidade em algumas partes do sul do globo, tendo surgido adaptações e expoentes locais.

A Teologia da Prosperidade diz respeito, fundamentalmente, à nossa maneira de compreender a ação de Deus em relação às ações humanas. É um discurso religioso que rejeita a teodiceia cristã tradicional. Ela progride especialmente onde o trabalho duro e outras virtudes econômicas produzem pouco resultado, pelo menos para alguns setores da população.

Abordagens para o estudo

Para alguns (talvez muitos) evangélicos, a Teologia da Prosperidade é teologicamente falha, moralmente repreensível e psicologicamente danosa. Por isso, precisamos fazer um esforço para suspender nossos juízos normativos a fim de podermos alcançar compreensão e até simpatia. Isso é uma boa prática sociológica, mas também uma boa prática cristã. As habilidades de nos colocar no lugar dos outros, de enxergar as coisas em volta, encontrar o bem onde não parece existir nenhum… são virtudes cristãs. Não significa perder nosso senso crítico, mas refreá-lo. No final, podemos fazer a mesma crítica… mas talvez mais informados nela.

Assim, não importa minha opinião teológica da Teologia da Prosperidade, sociologicamente, precisamos fazer algumas distinções.

A primeira distinção é entre vendedores e consumidores ou, em outras palavras, entre os propagadores e a audiência, que não são simplórios vulneráveis, mas pessoas necessitadas concentrando suas apostas num leque de opções.

Segundo, podemos fazer distinção entre a Teologia da Prosperidade para os pobres e a Teologia da Prosperidade para os já abastados, porque as consequências sociológicas são bem diferentes.
Terceiro, entre uma interpretação literal do discurso da Teologia da Prosperidade (suas promessas realmente se cumprem?) e uma interpretação metafórica (os efeitos incitantes, a esperança gerada, os benefícios colaterais).

E, por fim, entre aquilo que chamarei de Teologia da Prosperidade “nua” e Teologia da Prosperidade “vestida” (termos que explicarei adiante).

A primeira “Teologia da Prosperidade” protestante

O famoso estudo de Max Weber sobre a relação entre a ética dos primeiros protestantes (em especial os de linha reformada) e o crescimento do capitalismo foi, claro, um estudo clássico sobre consequências não pretendidas. O que chamamos de “espírito do capitalismo” não era, de modo algum, o que teólogos como Calvino e Richard Baxter pretendiam criar, apesar disso, na opinião de Weber, contribuiu para sua criação.

Quando partes não ocidentais do mundo começaram a se desenvolver economicamente, começaram a procurar “equivalentes éticos protestantes” em outras religiões (confucionismo, por exemplo). Mais recentemente, quando o próprio protestantismo se globaliza como religião de massas, tem-se discutido se esse novo protestantismo de massa (em grande parte pentecostal) possui uma ética econômica similar e pode ter efeitos macroeconômicos semelhantes em partes do hemisfério sul.

Mas esse protestantismo global é diferente. Ele opera na periferia do capitalismo global estabelecido e não tem espaço para ter o mesmo tipo de efeito macroeconômico. E, de todo modo, em geral não possui a ética protestante clássica do trabalho e os padrões de consumo frugal, supostamente impostos pela angústia acerca do destino eterno diante da inescrutabilidade divina quanto à predestinação. Entretanto, os novos protestantes globais bem podem ser economicamente energizados por vários aspectos de sua fé (maior otimismo e autoconfiança, novos padrões de honestidade, sobriedade e diligência) e por habilidades aprendidas nas igrejas.

O pentecostalismo global talvez não tenha a noção weberiana de vocação, mas (como afirma David Martin, sociólogo britânico) opera uma mutação psíquica rumo à independência e iniciativa individual, qualidades especialmente requeridas na economia informal. Além disso, o pentecostalismo rejeita a compreensão cristã europeia do sofrimento como algo exemplar; pelo contrário, o entende como algo a ser vencido, sem fazer grande distinção entre bem-estar espiritual, físico e material.

O contexto socioeconômico do crescimento da Teologia da Prosperidade

Há um crescimento concomitante do protestantismo global e do último estágio do capitalismo global (o desmantelamento da proteção; a explosão das megacidades; a flexibilização dos mercados de trabalho; o crescimento do setor informal). Os novos protestantes no hemisfério sul não estão tipicamente entre os proletários manufatureiros, mas no setor d serviços, onde a habilidade de ser pontual, organizado e obediente (importantes para trabalho em fábricas) é menos relevante que as capacidades de automotivação e automonitoramento, e a habilidade de administrar bem os encontros pessoais.

Além disso, a globalização incita mais desejos, porque dá a todos maior consciência da vida dos outros, encorajando com isso o fatalismo e a desesperança, ou então a revolta da Teologia da Prosperidade contra o fatalismo (como diz o refrão na Igreja Universal do Reino de Deus: “diga a Deus: Eu não aceito!”).

Onde a Teologia da Prosperidade é fraca?

Ela tende a ser relativamente fraca onde as populações são muito prósperas; ou relativamente prósperas e muito seguras (i.e., onde a assistência do estado é forte); ou muito seculares; ou muito comunitárias (e.g., em países de tradição cristã ortodoxa). Outro exemplo seria Cuba, onde o pentecostalismo tem sido bem sucedido recentemente em circunstâncias econômicas muito difíceis, mas onde a Teologia da Prosperidade não exerce muita atração por ser ideologicamente suspeita numa sociedade que possui uma forte ideologia de solidariedade alimentada pelo antigo ideal do “novo homem” socialista.

Tipologias da Teologia da Prosperidade

Amos Yong, teólogo protestante. Tipologia de cinco posturas diante da Teologia da Prosperidade:

a) o argumento em favor da prosperidade afirma haverem razões bíblicas, ainda que em formas muito divergentes;

b) o argumento contra a prosperidade reage aos argumentos bíblicos, mas também aos excessos da Teologia da Prosperidade e seus estilos de vida;

c) o argumento missionário defende a prosperidade como uma vocação para alcançar os mais ricos;

d) o argumento contextual defende a prosperidade de uma perspectiva holística;

e) o argumento equilibrado reconhece a importância da prosperidade, mas dá ênfase à mordomia responsável; alguns também defendem iniciativas desenvolvimentistas concretas.

Nimi Warinboko, télogo nigeriano. Cinco “tipos ideais” de teologia africana sobre a prosperidade:

1) Paradigma da Aliança: do qual existem duas variantes: a) a Teologia da Prosperidade “típica”, em que as contribuições financeiras são chaves; b) o modelo de excelência, que dá ênfase ao desenvolvimento de habilidades e os sentimentos afrocêntricos.

2) Paradigma Espiritualista: a batalha espiritual como o primeiro passo para a prosperidade nacional.

3) Paradigma da Liderança, também com duas variantes: a) o modelo profético, de protesto contra a má administração, injustiças e corrupção; b) o modelo transformador, de colocar cristãos íntegros no poder.

4) Paradigma Nacionalista: os africanos devem aumentar a autoestima e se separar de influências externas.

5) Paradigma Desenvolvimentista: igrejas como agentes de desenvolvimento.

Assim, há Teologias da Prosperidade no plural. Algumas variedades salientam que os homens devem expressar a própria iniciativa para serem frutíferos, enquanto outras variedades possuem um senso muito mais forte de atuação divina, uma noção de “semear e colher” e de um Deus contratualmente obrigado a abençoar.

A flexibilidade da Teologia da Prosperidade

Parte da razão de seu sucesso é sua ambiguidade. Em períodos de fartura, pode explicar por que a vida é boa e, em tempos de escassez, pode explicar por que ela não é boa, além de aliviar a ansiedade. E, ainda que alguns crentes tomem a Teologia da Prosperidade como um comando para que se trabalhe duro, outros a entendem como um chamado para viver (“pela fé”) acima das posses, em constante endividamento.

Teologia da Prosperidade como uma forma de capital espiritual

Gerrie Ter Haar, antropólogo holandês, diz a respeito da Teologia da Prosperidade que: “as pessoas investem em suas relações com entidades espirituais com vistas a melhorar sua qualidade de vida […] O elemento de reciprocidade em relações sociais é estendido ao âmbito do invisível”. Assim, a Teologia da Prosperidade é “inteiramente lógica a partir da perspectiva de uma cosmovisão que […] não separa o material do espiritual”.

Teologia da Prosperidade como um incentivo à iniciativa econômica num mundo injusto

Como diz Amos Yong, em regiões mais desenvolvidas do mundo, muitos cristãos não assumem a teologia da prosperidade, mas vivem com uma mentalidade de prosperidade, ou seja, absorvem as pressuposições econômicas prevalentes e os estilos de vida de seu contexto. Enquanto isso, em partes menos desenvolvidas do mundo, a Teologia da Prosperidade pode exercer um efeito galvanizador, transformando hábitos e práticas econômicas, especialmente na economia informal.

Com respeito aos efeitos, podemos fazer distinção entre o que chamo de “Teologia da Prosperidade nua” (i.e., sem adornos, careca) e “Teologia da Prosperidade vestida” (i.e., onde a exortação a que se oferte é acompanhada por recomendações concretas de que se transforme a situação econômica). Podemos exemplificar com um sermão que ouvi no Brasil, na Igreja Universal do Reino de Deus: “Não adianta só dar uma oferta. Você precisa largar seu emprego e começar um negócio, mesmo que seja só vender pipoca na rua. Como empregado, você nunca vai ficar rico”. As publicações dessa igreja contêm sugestões práticas sobre como abrir pequenos negócios em várias áreas econômicas, e o capital inicial necessário para cada um deles.

Teologia da Prosperidade como afirmação do capitalismo global?

A literatura acadêmica está repleta de interpretações desse tipo.

Robert Hefner, antropólogo americano. A mensagem é: não tenha pena de si mesmo e não se distraia sonhando com justiça social, acerte-se com Deus e espere milagres.

Andrew Chesnut, sociólogo americano. A Teologia da Prosperidade tanto na prática como na teoria, reforça e até promove a ordem capitalista global existente.

Douglas Hicks, professor americano de religião e economia. A Teologia da Prosperidade e as bolhas no setor imobiliário e no mercado de ações foram, todas, parcialmente alimentadas por concepções de vida superdimensionadas, baseadas em crédito fácil e débitos fora de controle.

Mas isso é tudo? Sabemos que, em democracias modernas, todos são encorajados a desejar e esperar os mesmos “bens” na vida, mas os meios não são distribuídos igualitariamente. Talvez cause surpresa que podemos encontrar algumas avaliações altamente críticas ao capitalismo global mesmo em publicações da Igreja Universal do Reino de Deus.

Um de seus bispos escreve que “a globalização é o fruto de uma política econômica ditada pelos países desenvolvidos para expandir seus mercados […] dando a seus cidadãos todas as coisas que ‘roubam’ dos nossos”. Outro bispo concilia o antineoliberalismo com a teologia da prosperidade: “Há uma trindade satânica: o grande ‘deus’ é o mercado, a grande religião global é o capitalismo e o Espírito Santo é o FMI […] Quando fazemos uma Corrente da Prosperidade [reuniões dedicadas à obtenção da prosperidade], estamos indo contra os princípios elementares do mercado, que incluem ‘você é pobre, você nasceu pobre, você vai morrer pobre’”. Mesmo que esses sentimentos não sejam repetidos regularmente, eles pelo menos mostram que a Teologia da Prosperidade como tal não é incompatível com uma crítica ao capitalismo global.

Talvez mais comum que uma crítica direta ao capitalismo global seja um conceito verbalizado por uma assistente da Igreja Universal: “Deus sempre deseja o melhor para a gente: ter um bom carro, uma casa bonita, dinheiro no banco. Isso é cidadania, e nenhum governo, nenhum político vai dar para a gente” (itálicos meus).

Teologia da Prosperidade como uma economia da dádiva

Para Joel Robbines, antropólogo americano. A Teologia da Prosperidade é popular no hemisfério sul porque oferece segurança nas circunstâncias econômicas caóticas em que alguns ficam ricos, mas é difícil compreender o como e o porquê disso.

Isso leva a uma avaliação de seus apelos monetários “escandalosos”. Eles são um de seus aspectos mais controvertidos. Mas como diz Cecilia Mariz, socióloga brasileira, na mentalidade popular, ofertar é poder, enquanto a submissão é simbolicamente reforçada pelo receber. No Pentecostalismo, os pobres descobrem que são capazes de ofertar e não só de receber. Além disso, deve-se lembrar que os donativos muitas vezes substituem despesas anteriores com remédios, bebidas ou drogas. Para muitos membros, o dar à igreja não pode ser separado de uma racionalização do comportamento econômico como um todo. Eles vieram juntos como parte de um pacote de transformações, um pacote constantemente ameaçado por velhos hábitos. A doação encarna esse compromisso precário com o novo padrão. E as pesquisas mostram que os apelos são sempre filtrados pela audiência.

Em todo caso, existe um contexto social para tudo isso. Uma pesquisa sobre o Pentecostalismo em dez países, em 2006, perguntou: Deus concede prosperidade aos fieis? A expectativa de recompensas materiais por meios religiosos está longe de ser exclusividade do pentecostalismo. 64% de todos os religiosos brasileiros acreditam que Deus concede prosperidade aos fieis; os pentecostais só elevam a percentagem a 83% (os respectivos números para o Chile são 28% e 49% e , para a Guatemala, 71% e 82%).

Assim, A Teologia da Prosperidade não é um mero produto da globalização do capitalismo e da exportação religiosa americana. É também uma atualização de expectativas religiosas locais em muitas partes do mundo. Por exemplo, os antropólogos Stephen Ellis e Gerrie Ter Haar escrevem que, na África, há uma percepção de que todo poder tem origem última no mundo espiritual. A Teologia da Prosperidade, portanto, é simplesmente uma adaptação recente de crenças muito mais antigas.

A Teologia da Prosperidade e o mundo cristão mais amplo

A religião da prosperidade não é um fenômeno tipicamente cristão, mas suas versões cristãs precisam manter alguma conexão com temas cristãos mais amplos. Elas não podem flutuar inteiramente livres e não podem ignorar totalmente as críticas feitas pelo mundo cristão mais amplo.
Ao mesmo tempo, eles representam uma crítica a outras correntes cristãs, e.g., o protestantismo tradicional.

De acordo com o antropólogo holandês Birgit Meyer, há, da parte de muitos estudiosos, uma forte tendência de considerar a religião material inferior a uma espiritualidade religiosa ideal. Isso vem de uma concepção “Protestante” que considera a materialidade uma forma inferior de religião. Mas o pentecostalismo não toma parte nesse preconceito.

O teólogo pentecostal Frank Macchia fala da Teologia da Prosperidade como um antídoto para a herança teológica ocidental infestada por dualismos; e fala da hipocrisia entre críticos brancos de sexo masculino oriundos das elites acadêmicas ocidentais. A Teologia da Prosperidade está em harmonia com a noção de salvação como shalom ou bem-estar integral contida no Antigo Testamento.

Além disso, ela existe em tensão com formas mais antigas do pentecostalismo que se gloriava na escolha divina dos pobres e desconfiava dos efeitos espiritualmente deletérios da riqueza. Essa era a ética de um capitalismo mais antigo, de uma luta longa e árdua para alcançar modesta respeitabilidade. Hoje, essa ética ainda existe, mas perdeu espaço para os ensinos da prosperidade.

A Teologia da Prosperidade e o mundo religioso não cristão

Primeiro, em relação ao outro monoteísmo em grande expansão, o islamismo. Robert Hefner a compara com o “islamismo de mercado”, que exortações à piedade a discursos e terapias de autoajuda. Tanto os pentecostais da prosperidade como os “muçulmanos de mercado” importam muitas técnicas de autoajuda do mundo empresarial e da indústria do coaching pessoal.

Segundo, em relação a tradições religiosas nativas em muitas partes do mundo. O antropólogo britânico Simon Coleman fala que “a tendência de religiões nativas considerarem inseparáveis o material e o espiritual e esperarem que os espíritos nativos entrem em ‘contratos’ para fornecer ‘bens’ mundanos cria um terreno muito fértil para um evangelho da prosperidade”.

Como destaca Dena Freeman no livro sobre pentecostalismo e desenvolvimento na África, o protestantismo na Europa desenvolveu-se num cenário em que o catolicismo havia promovido um ideal asceta, enquanto o protestantismo contemporâneo na África desenvolve-se contra um ambiente de religiões africanas tradicionais que dão ênfase a sacrifícios para receber as bênçãos de saúde, riqueza e fecundidade. Nesse contexto, a Teologia da Prosperidade alivia a pressão de ter de participar de práticas tradicionais e oferece um respaldo moral para resistir às demandas dos parentes.

Conclusões

Primeiro, as mensagens da prosperidade são sempre filtradas por seus consumidores. Os ouvintes nunca são vítimas passivas. Muitas vezes, o pregador diz “prosperidade”, mas o ouvinte pensa apenas em
“segurança” ou “dignidade”. De acordo com antropólogo holandês Rijk van Dijk, a Teologia da Prosperidade na África salienta a necessidade de “rupturas” e “avanços”, um rompimento proativo com o passado que transforma a subjetividade do crente e possibilita novos avanços na vida econômica.

Segundo, a Teologia da Prosperidade tem funcionado como um meio para fazer do evangelicalismo uma religião de massas. Cada religião tem uma forma que atrai só uns poucos “virtuosos” por ser muito exigente, e outra forma que atrai as massas por ser menos exigente e mais fácil de compreender. Se quisermos sucesso numérico e igrejas grandes, quem sabe a Teologia da Prosperidade seja o preço a pagar.

Terceiro, podemos falar de um leque de atitudes cristãs diante da riqueza: num extremo, a Teologia da Prosperidade; depois a mordomia; depois a simplicidade; e no outro extremo um voto de pobreza. O mundo cristão não está dividido em moldes binários entre os que são “a favor” e os que são “contra” a Teologia da Prosperidade.

Quarto, quais as perspectivas da Teologia da Prosperidade? Como todas as correntes religiosas, ela evolui constantemente, reagindo a mudanças socioeconômicas e culturais; fatores internos como o envelhecimento de personagens e igrejas importantes; e críticas advindas do mundo cristão mais amplo e da sociedade ao redor.

A Teologia da Prosperidade é muito funcional para trazer as pessoas para a igreja, mas não para manter uma igreja ao longo de muitas décadas. A Teologia da Prosperidade tem pernas curtas. Ela acaba tendo de incorporar outros elementos, de outro modo, tem dificuldades de criar comunidades estáveis. No caso do Brasil, o censo de 2010 indica que as ditas igrejas neopentecostais, que são as principais divulgadoras da Teologia da Prosperidade, podem ter já ultrapassado seu pico.

Quinto, a pergunta realmente crucial é a seguinte: o que a popularidade da Teologia da Prosperidade nos diz a respeito do mundo em que vivemos? Antes de condená-la, precisamos vê-la como um sinal dos tempos. Não podemos nos fixar no signo, na ideia como tal (pensando que combater a ideia resolve tudo), mas precisamos responder àquilo que o signo está apontando: um mundo tão desigual e injusto que até as formas mais toscas de Teologia da Prosperidade são amplamente populares. Talvez precisemos vê-la como um gemido dos oprimidos e o coração de um mundo sem coração!

Por fim, uma proposta modesta: por que não inventamos outra Teologia da Prosperidade, inspirada por alguns autores patrísticos? Crisóstomo, por exemplo: “uma vez que não destes as ofertas costumeiras […] os ricos detêm os bens dos pobres […] Pois nosso dinheiro é do Senhor, entretanto nós os juntamos. Se cuidarmos dos necessitados, obteremos grande fartura” (itálicos meus). Ou Basílio: quando dais aos pobres, estais emprestando, porque a beneficência de Deus vos retribui. “Não desejais que o Todo-Poderoso seja obrigado a restituir-vos?” (ênfases minhas). Em outras palavras, esses líderes cristãos do século IV acreditavam no mecanismo de retribuição da Teologia da Prosperidade: dê para Deus, e ele vairecompensá-lo muitas vezes mais. Mas há uma diferença vital em relação à Teologia da Prosperidade que ouvimos hoje. Para Crisóstomo e Basílio, “dar para Deus” não significava “dar para a igreja” ou “dar para mim, o pregador”. Significava “dar para os necessitados”. E não dar era roubar dos pobres, não da igreja ou do pregador. Assim, temos aqui uma Teologia da Prosperidade totalmente diferente, uma teologia em que o mecanismo de retribuição com que estamos familiarizados (pelo qual “obtemos grande fartura” porque “o Deus Todo-Poderoso tem compromisso conosco”) é unido a uma prática socialmente benéfica e a um relacionamento eclesiástico com menos interesse próprio. Isso evitaria o que é mais escandaloso na Teologia da Prosperidade porque substitui a relação biunívoca entre pregador e ouvinte por um relacionamento triangular em que se introduz o necessitado. O pregador já não é a parte interessada, uma vez que já não é o receptor da doação. De uma tacada, essa “nova Teologia da Prosperidade” melhoraria muitíssimo a imagem pública grandemente danificada do cristianismo evangélico em lugares como o Brasil, uma vez que removeria a suspeita de interesse próprio dos pregadores e levaria a uma onda de doações de caridade.

Como eu disse no início, fui chamado para ser um tipo de advogado do Diabo. Mas o quanto escrevi por mim mesmo e o quanto escrevi como defensor da causa do Diabo, cada leitor terá de decidir por si…

Perguntas para discussão

1) Considerando que um “cristianismo global” saudável deve ser capaz de abarcar condições de vida em toda parte, como nossa sensibilidade em relação às enormes disparidades no sistema econômico global afetam nossa avaliação da Teologia da Prosperidade? Devemos avaliar de modo diferente o evangelho da prosperidade para os pobres e o evangelho da prosperidade para os abastados? O que o vasto poder de atração do evangelho da prosperidade nos diz sobre a sociedade global em que vivemos?

2) As avaliações do evangelho da prosperidade diferem se são feitas da perspectiva teológica, ética, econômica, psicológica ou social? O evangelho da prosperidade pode ser defendido em termos de bons efeitos que produz, mesmo que seja considerado indefensável do ponto de vista teológico?

3) A Consulta em que esta palestra foi primeiro apresentada foi estruturada em torno de temas devocionais de humildade, integridade e simplicidade. Como os defensores da Teologia da Prosperidade dizem integrar essas virtudes?

Paul Freston (Inglaterra/Brasil) é sociólogo e autor de vários livros. É professor do programa de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos, professor catedrático de sociologia no Calvin College, nos Estados Unidos, e professor no departamento de Religião e Cultura na Wilfrid Laurier University, do Canadá.

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