Teologia do Reino como paradigma para o ministério do evangelho

Uma recomendação dos pensamentos de J. H. Bavinck

Song Tsai

O trabalho de Bavinck é “o mais teologicamente rico, missiologicamente erudito e pastoralmente sensível na tradição [reformada]. Se meu trabalho não fizer nada além de republicar e defender… J. H. Bavinck para uma nova geração de cristãos, então terei conseguido muito.”[1]

 

Prólogo

Eu estava sentado no pátio do centro da OMF em Cluny Road, em Cingapura, quando li pela primeira vez essas palavras elogiando os trabalhos do missionário holandês Johan Herman Bavinck[2] na Indonésia. Minha esposa e eu estávamos esperando nosso primeiro bebê. Estávamos de férias dando uma pausa de nossos empregos, do inverno britânico e da decisão de onde ir para fazer o treinamento teológico para o ministério.

Em uma conferência da qual havia participado alguns meses antes, peguei um livro recém-publicado pelo palestrante principal, Dr. Dan Strange, em parte porque estava à venda e é sempre difícil para um chinês resistir a uma pechincha,[3] mas principalmente porque eu estava interessado no questionamento que o livro levantava: “Como os evangélicos devem entender e se envolver com outras religiões?”.

Depois de dois anos como estudante em Taiwan, voltei ao Reino Unido repleto de questões sobre missiologia, algumas das quais cercavam essa área, e estava ansioso para começar a respondê-las antes mesmo de chegar ao seminário. Eu terminei o livro ao longo da semana, e cheguei a duas conclusões: primeiro, se possível e sob a direção providencial de Deus, gostaria de estudar com o Dr. Strange e, segundo, gostaria de explorar os pensamentos de Bavinck mais detalhadamente caso tivesse a oportunidade.

Deus é fiel e ele responde às orações – agora estou terminando meu quarto ano no Oak Hill College, onde o Dr. Strange é o diretor e dá palestras sobre cultura, religião e teologia pública, e, ao longo dos quatro anos, tive a oportunidade de mergulhar nos trabalhos de Bavinck em função de trabalhos acadêmicos e ocasionalmente para leitura extracurricular.

Como a maioria das publicações de Bavinck estava em holandês, não é uma surpresa que ele seja amplamente desconhecido entre os evangélicos de língua inglesa. No entanto, conforme seus trabalhos foram gradualmente sendo traduzidos para o inglês, foi despertado o interesse no Reino Unido e na América do Norte para seu trabalho como missiologista.[4] Apreciei a leitura, e gostaria de dividir os sentimentos expressos acima. O objetivo deste ensaio, portanto, é recomendar seu trabalho à comunidade missionária em geral – especialmente àqueles que estão ocupados na linha de frente das obras do Reino e não têm tempo para explorar as obras de pessoas de outras tradições e origens. É obviamente impossível fornecer uma cobertura abrangente de todos os pensamentos de Bavinck em um ensaio relativamente curto. Por esse motivo, será dado foco na concepção de missões de Bavinck à luz do tema do reino de Deus, e, especialmente, na interação entre revelação geral e especial, e na relação entre missões, igreja e o mundo.

 

Introdução

O amado pastor e teólogo britânico John Stott mudou de ideia em relação à definição de “Missões”. No Congresso Internacional de Evangelismo no ano de 1966 em Berlim, ele considerou a natureza da missão como exclusivamente evangelismo e proclamação.[5] No entanto, dez anos depois, quando escreveu A missão cristã no mundo moderno, ele afirmou que a responsabilidade pela ação social não é simplesmente uma consequência da conversão de pessoas através do evangelismo, mas faz parte da própria missão.[6] Para Stott, a missão da igreja não era mais simplesmente a proclamação do evangelho, mas essa proclamação e demonstração são unidas como um todo, de forma integral.

A “missão da igreja” continua sendo um debate intenso hoje. O ano de 2006 viu a publicação de A missão de Deus, de Chris Wright,[7] seguido pela publicação de Justiça generosa, de Tim Keller, em 2010[8] – ambos os livros defendem a Missão Integral. Uma resposta de DeYoung e Gilbert veio em 2011, argumentando que a missão da igreja é exclusivamente “proclamação e o fazer discípulos”, e as boas obras devem ser entendidas como parte do discipulado.[9] Em 2017, Zondervan publicou Four Views on the Church’s Mission.[10] No mesmo ano, DeYoung foi convidado a falar sobre a “Missão da Igreja” em uma conferência nacional para pastores evangélicos britânicos. Mesmo dentro da OMF, embora tenha se chegado a um amplo consenso quanto à Missão Integral, a interação entre missões e eclesiologia permanece um tópico ativo na pauta de discussões, tanto é que foi o tema principal de uma edição recente da Mission Round Table.[11]

Nos bastidores, e ignorado por grande parte do debate, está o teólogo holandês reformado Johan Herman Bavinck, que é contra a ingenuidade do modelo de proclamação exclusiva.[12] Ele faz isso através da sua insistência de que o governo soberano de Deus sobre seu reino, restaurado por Cristo, é o tema central para que entendamos toda a vida humana e, por extensão, a missão da igreja. Seu interessante trabalho sobre revelação especial e geral ajuda-nos a compreender que a proclamação não é exclusivamente verbal (mas ela não deve ser excluída). Ademais, porque ele identifica a igreja como o locus (lugar) central de missões, ele consegue enfatizar a importância da eclesiologia e da proclamação verbal e, ao mesmo tempo, defender uma abordagem holística de missões.

A seguir, cada um dos três temas do ensino de Bavinck serão apresentados para consideração dos leitores, acompanhados de uma reflexão sobre como eles podem nos ajudar hoje, e seguidos de algumas considerações finais.

 

A visão de J. H. Bavinck da “Missão da Igreja”

O fundamento da missão: o reino de Deus

Para Bavinck, a vinda do reino do Senhor é o “capítulo quase sempre esquecido da teologia doutrinária, que é uma das ideias mais dominantes quando estamos lidando com Missões”.[13] “Ressoa como um coral majestoso através da Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. Os Salmos, especialmente, tremem de êxtase quando exaltam esse Reino.”[14]

Desde bem no início, nos primórdios dos tempos ou no Urzeit (princípio), o reino de Deus era cósmico por natureza – isso compreende toda a criação, não apenas os humanos; animais, plantas e até os anjos têm um lugar na completa harmonia do Reino de Deus.[15] O governo soberano de Deus sobre seu reino é a fonte única de sentido para toda criação, pois é a partir dele que toda a criação vive em harmonia (shalom) consigo mesma em torno de um objetivo comum: a obediência em devoção ao bem ordenado governo de Deus.[16]

O reino de Deus foi planejado para ser dinâmico. Desde o início, continha o potencial e o poder de se desenvolver e de se revelar.[17] A raça humana foi instaurada para sermos mordomos do reino de Deus. Como mordomos, éramos simultaneamente súditos e reis. Foi-nos dado o governo – administrar, promover e desenvolver o potencial do dinamismo inato da criação –, mas fazemos isso a serviço de Deus.

A humanidade rompeu o shalom do reino de Deus com nossa rebelião contra ele. Ao refutarmos a vontade de Deus e cairmos no pecado, trouxemos dissonância onde havia harmonia, caos onde havia ordem, e guerra onde havia paz.[18] Nesse caos, não estamos mais na criação para glorificá-lo e servi-lo. Trabalhamos simplesmente para sobreviver;[19] por enquanto, pelo suor do nosso rosto, comeremos nossa comida.

O reino de Deus, contudo, não foi completamente abandonado após a queda. Apesar do caos e da fragmentação, ele será mais uma vez totalmente estabelecido no porvir (era escatológica). Até lá, é um constante “nascer de novo”, ou a tensão do já/ainda não.[20] A nação de Israel é uma prefiguração desse reino escatológico de Deus que será finalmente consumado no Senhor Jesus Cristo.[21] Assim como a harmonia do Reino de Deus foi abalada pelo pecado de Adão, Cristo, através de seu sofrimento e morte, une em si todas as coisas sob o domínio de Deus e restabelece o seu reino.[22] Essa reintegração do reino de Deus não é simplesmente um caso de salvação individual, mas é cósmica em escala. O objetivo de nossas vidas não é a salvação individual, mas “tornar-se parte do contexto mais amplo do reino de Deus, onde todas as coisas são novamente unificadas sob a única e exclusiva vontade sábia daquele que vive e governa para sempre”.[23]

O reino de Deus não deve, é claro, ser separado da (embora nunca possa ser totalmente identificado com a) igreja como um corpo de crentes que estão “em Cristo”. Eles não apenas reconhecem e obedecem a Cristo como rei, mas também têm uma atração irresistível em direção ao reino escatológico de Deus, reino esse que procuram manifestar no presente.[24] A igreja sempre terá uma “tendência teocrática” – que remonta ao reino judaico prefigurador de Davi e Salomão e que avança para o reino escatológico de Jesus Cristo.[25]

A concepção cristocêntrica da vinda do reino de Deus, desenvolvida por Bavinck, forma o critério bíblico-teológico mais importante para a abordagem missionária, ou, em suas palavras, a missão ocorre a serviço da vinda do reino de Deus “e na imensa obra de Deus somos suas mãos”.[26]

 

Os meios de Deus para cumprir a missão: a revelação de Deus

Como Criador, Deus é o governante legítimo de todos. A expansão de seu reino, então, não é uma expansão no espaço e no tempo; pelo contrário, é através do consentimento das pessoas em viver em obediência a ele e reconhecê-lo como rei. Deus se revela a uma humanidade rebelde e pecadora, chamando-a a se arrepender e a obedecê-lo fielmente como rei. Deus emite o chamado de duas maneiras: revelação geral e revelação especial.

Um número significativo de teólogos empregou o termo revelação geral para denotar uma revelação de verdades divinas acessíveis pela razão, não só pela palavra revelada. A revelação geral, assim entendida, é impessoal. Quaisquer que sejam as verdades divinas que possamos aprender fora da palavra revelada seriam mais incidentais do que uma comunicação direta de Deus. Bavinck adverte contra esse entendimento da revelação geral:

 

Se queremos usar a expressão “revelação geral”, não devemos fazê-lo no sentido de que se possa concluir logicamente a existência de Deus a partir dela. Isso pode ser possível, mas apenas leva a uma noção filosófica de Deus como a primeira causa. Mas essa não é a ideia bíblica de “revelação geral”. Quando a Bíblia fala de revelação geral, significa algo bem diferente. Lá, ela tem uma natureza muito mais pessoal. É uma preocupação divina para com os homens de forma coletiva e individual. A divindade de Deus e o poder eterno são evidentes; eles não o deixam, mesmo que o homem faça o possível para escapar deles.[27]

 

Visser reúne, de forma proveitosa, cinco passagens bíblicas diferentes que Bavinck usa para apontar esse entendimento da revelação geral com várias publicações diferentes.[28] Em primeiro lugar, em Jó 33.14-18, fica claro que Deus fala a todas as pessoas ao longo de suas vidas, seja através de sonhos e visões durante o sono, ou até mesmo falando em seus ouvidos para impedi-las de cometer erros. Em segundo lugar, a partir de João 1.4, 5, 9, Bavinck conclui que a atividade da palavra é universal em extensão, e se destina a trazer luz para a escuridão das mentes das pessoas. Terceiro, em Atos 14.15b-17, as grandes ações de bondade de Deus na provisão a pecadores incrédulos testificam sobre sua misericórdia. Em quarto lugar, em Atos 17.26-27, a determinação de Deus para que houvesse fronteiras nacionais visava levar as pessoas para que “o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós” (NVI, 2011). Por fim, de acordo com Visser, Romanos 1.9-32 é a passagem mais importante para Bavinck no desenvolvimento de seus pensamentos sobre a revelação geral. A partir dessa passagem, Bavinck conclui que as pessoas não estão apenas permanentemente conectadas aos outros seres humanos e à toda a criação, mas também há uma conexão permanente entre os seres humanos e Deus. Há um diálogo constante entre Deus e o homem, um diálogo que Deus inicia continuamente. Essa revelação geral ou diálogo de Deus assume a forma de toda a criação, na consciência e na história humanas;[29] em resumo, na totalidade da existência humana. Nos pensamentos de Bavinck, as três pessoas da Trindade devem estar envolvidas nesse ato de comunicação pessoal devido à unidade da divindade. Ele vê o Espírito Santo como o meio instrumental de Deus para a revelação geral,[30] e Cristo como o “poder eterno”[31] pelo qual Deus Pai, através da totalidade da existência humana e da obra do Espírito Santo, comunica-se conosco.

Embora Bavinck tenha uma concepção bastante nova de revelação geral,[32] sua concepção de revelação especial é totalmente incontroversa – é a revelação de Deus que está fora do domínio da revelação geral, a saber, “Esse mistério não foi dado a conhecer aos homens doutras gerações, mas agora foi revelado pelo Espírito […]” (Ef 3.5).[33] Em outras palavras, enquanto a revelação geral aponta o caráter de Deus e Cristo, é necessária uma revelação especial para apontar para redenção que temos nele.

Bavinck vê inúmeras semelhanças entre revelação geral e revelação especial. Ambas consistem na autorevelação de Deus. Ambas são obra de toda a divindade – as três pessoas da Trindade –, e, embora a revelação especial seja mais explícita em sua comunicação à humanidade, nenhuma é suficiente para uma divulgação completa da essência e do ser de Deus. Para Bavinck, só saberemos plenamente quando virmos Deus frente a frente no porvir (era escatológica).[34]

 

O agente e a abordagem da missão: igreja de Deus e proclamação missionária

Pelo exposto, deve ficar claro que, no pensamento de Bavinck, Deus é o principal agente em missão ou em missões; é o seu reino que cresce através da revelação de si mesmo. Para Bavinck, embora isso seja teologicamente verdadeiro, é incompleto. Isso porque, embora Deus seja o único que reconcilia todas as coisas consigo mesmo em Cristo, e nada que possamos fazer pode acrescentar ou tirar de sua obra, também é verdade dizer que ele encarregou a igreja desse ministério.[35] Até essa afirmação é um tanto incompleta, pois temos de fazer a pergunta: “Qual seria a igreja em questão aqui?”. Seria a igreja local? Uma denominação? Todo cristão que está vivendo sua fé no mundo? Seria constituída por sociedades evangelísticas e outras organizações? Embora Bavinck coloque a responsabilidade primária da missão nos ombros da igreja local e, em particular, dos que nela ocupam cargos de liderança, o trabalho missionário não é, de forma alguma, restrito a eles.[36] Com base em sua consideração de que todas as Escrituras referem-se a missões, ele conclui que cada membro da congregação também deve estar envolvido, e faz uma distinção entre o serviço missionário oficial como manifesto no envio de missionários e a proclamação não oficial do evangelho por indivíduos ou instituições e organizações missionárias.[37]

Como então os agentes da missão de Deus devem servir à vinda de seu reino? Bavinck defende uma abordagem dupla, de acordo com seus pontos de vista sobre revelação geral, especial e o abrangente reino de Deus. Ele os chama de abordagem abrangente[38] e de abordagem querigmática.[39]

É importante fazer uma distinção entre a concepção de Bavinck de “abordagem abrangente” e a concepção de “abordagem abrangente” que foi introduzida na Conferência Internacional de Missões em Jerusalém em 1928. Essa última fala do “caráter quadridimensional de missões”, onde as missões pregam simultaneamente: educação, assistência médica e ajuda socioeconômica. Bavinck opõe-se à construção de Jerusalém da “abordagem abrangente” por três motivos.

Em primeiro lugar, o raciocínio por trás da abordagem abrangente da conferência de Jerusalém baseia-se inteiramente em bases antropológicas e oportunistas. Em vez disso, Bavinck acredita que uma teoria adequada da abordagem missionária deve encontrar sua base nas Escrituras.[40]

Em segundo lugar, Bavinck estava descontente com a abordagem abrangente da conferência de Jerusalém, que afirmava que a vida espiritual do homem está “inteiramente enraizada em seu ambiente”. Para Bavinck, isso significava que qualquer avanço nas circunstâncias físicas de um não-cristão pode potencialmente levar a um fluxo da vida espiritual adequado. Ele pensou que seria mais biblicamente correto dizer que a vida espiritual de uma pessoa está tão entrelaçada com todas as condições de vida que as mudanças na vida espiritual de uma pessoa teriam um impacto material em todas as áreas da vida e vice-versa.[41]

Em terceiro lugar, Bavinck considerou o conceito da missão quadridimensional enganoso, pois considera educação, assistência médica e ajuda socioeconômica de igual valor à pregação do evangelho, quando, na realidade, a Bíblia apenas chama a igreja para “pregar o evangelho”. Para Bavinck, seria muito mais preciso dizer que a pregação é um trabalho multifacetado, envolvendo mais do que simplesmente a proclamação verbal de uma mensagem, mas também uma demonstração da mensagem.[42]

Apesar dessas objeções, Bavinck achou que a abordagem abrangente no campo missionário era “inevitável”.[43] Um missionário vivendo como cristão em um contexto estrangeiro veria as necessidades das pessoas e, por causa da “tendência teocrática” inata de querer ver o perfeito reino escatológico de Deus manifesto em sua vida e nas vidas daqueles que o cercam, desejaria promover isso de alguma forma. Esses atos seriam como parte da revelação geral de Deus de sua bondade e provisão para uma humanidade rebelde e pecaminosa. Além disso, em virtude de sua presença e vida no meio deles, eles não podem deixar de revelar as coisas de Deus para as pessoas que estão tentando alcançar. Para resumir, a abordagem abrangente em um indivíduo pode ser considerada simplesmente como “ser cristão” e fazer parte da revelação geral de Deus à humanidade pecadora.[44]

Como afirmado anteriormente, no entanto, a revelação geral apenas revela o caráter de Deus para nós, não revela a redenção que podemos ter em Cristo, que é obra da revelação especial. Da mesma forma, a vida bondosa e a caridade de um missionário nunca podem revelar o plano redentor do Senhor Jesus. Suas vidas bondosas e obras de caridade devem ser acompanhadas de uma proclamação verbal das boas novas do perdão dos pecados e da esperança de vida eterna que temos no Senhor Jesus. Essa proclamação verbal é o segundo aspecto da abordagem dupla que Bavinck chama de abordagem querigmática.[45]

A igreja local, individualmente, tem a tarefa missionária de empreender a abordagem querigmática, proclamando verbalmente os meios de redenção de Deus para seu povo, e também adotando uma abordagem abrangente para revelar o caráter de Deus a seu povo e àqueles fora da igreja. Além disso, a igreja doxológica adora e louva a Deus de domingo a domingo, cantando hinos e cânticos espirituais, ouvindo Deus falando com eles em sua Palavra e expressando sua confiança em Deus através da oração. Ao desempenhar sua função doxológica semanal, eles não são apenas o exército do reino de Deus, eles também são agentes que detêm os meios de Deus para ampliar seu reino e um dia darão frutos batizando cada novo membro ao entrar no reino de Deus.

A famosa definição de missão de Bavinck pode ser usada para resumir esta seção:

 

Missão é a atividade da igreja – em essência, nada mais é do que uma atividade de Cristo exercida através da igreja – através da qual a igreja, em seu período intermediário no qual o fim é adiado, chama os povos da terra ao arrependimento e à fé em Cristo, para que sejam feitos discípulos dele e, por meio do batismo, sejam incorporados à comunhão dos que aguardam a vinda do reino.[46]

 

Reflexões para hoje

Tendo em mente a visão de Bavinck a respeito da missão da igreja, é importante voltar ao nosso contexto atual e refletir sobre o que seus pensamentos têm para nos ensinar em nossos ministérios. Três áreas separadas serão consideradas à luz das ideias missiológicas de Bavinck: a visão e a missão mais amplas da OMF, os missionários envolvidos no trabalho querigmático e os missionários envolvidos na abordagem abrangente da proclamação.

 

Bavinck e a visão e missão da OMF

A declaração de visão da OMF diz: “Através da graça de Deus, desejamos ver um movimento da igreja bíblica nativa em cada grupo de povos do Leste Asiático, evangelizando seu próprio povo e estendendo a mão em missão a outros povos”.[47]

A declaração de missão da OMF diz: “Compartilhamos as Boas Novas de Jesus Cristo em toda a sua plenitude com os povos do Leste Asiático para a glória de Deus”.

Embora não examinado neste ensaio, há muito na missiologia prática de Bavinck que está de acordo com a visão e a missão da OMF, conforme declarado acima. Como missionário holandês na Indonésia, ele desempenhou um papel ativo no incentivo à implantação de uma igreja nativa independente.[48] Sem dúvida, ele gostaria de ver a igreja nativa assumir a tarefa de alcançar seu próprio povo e enviar missionários para além de suas próprias fronteiras.

Como um missiologista reformado que aplicou vigorosamente a doutrina da soberania de Deus em todas as áreas da teologia, ele teria apreciado a inclusão da frase “Pela graça de Deus” no início da declaração de visão.

Com relação à declaração de missão, incluindo o documento esclarecedor de Peter Rowan,[49] há pouco que Bavinck teria contestado. Para ele, o reino de Deus existe para a glória de Deus, e teria apreciado o evangelho completo que a OMF procura proclamar.

Talvez haja um pequeno desafio que ele gostaria de lançar. Onde a declaração de visão descreve o movimento bíblico da igreja, a palavra “adoradora” deve ser adicionada antes da palavra “nativa”. Em nosso desejo de levar o evangelho às nações, é importante lembrar que as igrejas não existem simplesmente para plantar mais igrejas – elas existem primeiro para trazer glória a Deus, adorando-o.

 

Bavinck e a abordagem querigmática de missões

Bavinck, sem dúvida, gostaria de lembrar aqueles de nós que estão nos ministérios, proclamando a revelação especial de Deus, de que não devemos nos preocupar apenas com a tarefa da proclamação verbal, mas também estar cientes de todas as formas não verbais de proclamação em nossos contextos. Além disso, todos devemos procurar oportunidades para demonstrar o amor de Deus não apenas em palavras, mas também em ações.

Ao considerar isso, ele, sem dúvida, gostaria de nos encorajar não apenas a pensar antropologicamente sobre esses assuntos, mas a nos orientar pela e para a glória de Deus. Não são apenas as necessidades das pessoas que estamos tentando alcançar que importam, mas devemos fazer as coisas em obediência a Deus para sua glória.

 

Bavinck e a Missão Integral

Para aqueles envolvidos em ministérios preocupados em oferecer ajuda, talvez seja importante primeiro salientar que qualquer ministério em que você esteja envolvido também funciona para proclamar verdades sobre Deus. Por esse motivo, esses ministérios nunca devem ser considerados ministérios de segunda categoria.

Como Bavinck, devemos estar constantemente e conscientemente vigilantes contra a propensão da igreja ocidental a um dualismo sagrado-secular. Devemos evitar a armadilha de pensar que a melhoria da vida das pessoas é um fim em si mesma. O objetivo é sempre revelar algo do caráter de Deus para eles. Mais uma vez, tudo o que fazemos deve ser direcionado para a glória de Deus em vez de responder às preocupações antropológicas.

Esse perigo está sempre presente, mesmo naqueles que são os bem-intencionados entre nós. Em uma recente conferência da OMF, o palestrante sobre cuidados com a criação foi alertado sobre o perigo quando passou vários dias trabalhando com alguns não-cristãos em um projeto ambiental conjunto. No tempo que passou com eles, ele não tentou compartilhar o evangelho com eles nem uma vez, embora tivesse total liberdade para fazê-lo. Deus, no entanto, trabalha apesar de nossa fraqueza, pois eventualmente eles pediram que ele compartilhasse o evangelho com eles.

 

Conclusão

Por fim, Bavinck alicerça a fundação da missão de Deus na vinda de seu reino. Ele usa a revelação geral e especial para fazê-lo, e a responsabilidade principal de assumir a tarefa recai sobre a igreja local, embora os cristãos, as sociedades e organizações missionárias não devam, de maneira alguma, ser excluídos dessa tarefa. Sua construção mostra não apenas a ingenuidade do modelo de missões de “apenas proclamação”, mas também aponta alguns perigos potenciais na Missão Integral. Sua dupla abordagem abrangente e querigmática da proclamação missionária garante que vejamos cada aspecto da proclamação em seu devido lugar e mantenhamos o equilíbrio da proclamação em palavras e ações.

Em nosso tempo, ainda lutamos com a ideia do reino de Deus. Por muito tempo, os cristãos

enfatizaram, demasiadamente, o fato de que a fé cristã é algo que diz respeito ao mais íntimo do ser humano e é o caminho para a salvação, sem prestar atenção suficiente ao fato de que a fé coloca homens e mulheres na perspectiva do reino. Isso inclui o fato de que o crente deve lutar por um novo mundo. Algo do poder da nova vida em Jesus Cristo deve penetrar na vida social e econômica, no comércio e na indústria, na ciência e na arte. Não devemos deixar nenhum setor da vida individual ou social por conta própria. Deus quer que possamos reunir, agora, todas as coisas neste mundo sob uma cabeça, Cristo.[50]

 

Epílogo

Três dos trabalhos de Bavinck disponíveis agora em inglês devem ser particularmente elogiados. The Church Between Temple and Mosque foi considerado, ao mesmo tempo, o livro padrão dos missionários reformados e presbiterianos. Nesse trabalho, Bavinck apresenta sua missiologia prática, que fornece um guia para interagir com outras visões de mundo e religiões. Seu livro Between the Beginning and the End é uma maravilhosa obra devocional, que estabelece a teologia de seu reino conforme relacionado acima, e descreve como o Senhor Jesus cumpre tudo isso. The Church Between Temple and Mosque, por sua vez, permanece um estudo clássico na interação entre o cristianismo e outras religiões.

Há alguma evidência anedótica de que uma das principais influências sobre Keller no seminário foi o Dr. Harvie Conn, que, por sua vez, foi bastante influenciado por Bavinck. Minha esperança é que este artigo desperte o apetite de outros missionários para ler mais sobre Bavinck e sejam igualmente influenciados por ele.

 

Sobre o autor
Song Tsai é estudante de mestrado na Oak Hill College. Anteriormente, foi membro associado da OMF, atuando por dois anos no ministério como estudante em Taiwan e um ano com mobilização no Norte da Inglaterra.

 

Este artigo foi originalmente publicado em inglês na Mission Round Table (Vl. 14, No 2, Maio-Agosto/2019) e o Martureo recebeu a devida autorização da OMF para traduzi-lo e republicá-lo.

 

 

[1] (tradução nossa)the most theologically rich, missiologically erudite and pastorally sensitive in the [reformed] tradition. If my work does nothing more than republicize and Champion… J. H. Bavinck to a new generation of Christians, then I shall have achieved much”. Daniel Strange, For Their Rock Is Not as Our Rock: An Evangelical Theology of Religions (Nottingham: Apollos, 2014), 34.

[2] Não deve ser confundido com o muito mais famoso Herman Bavinck da Teologia Sistemática. Johan Herman Bavinck era sobrinho de Herman Bavinck, e recebeu o nome de seu avô e famoso tio.

[3] Sério, para os missionários que trabalham no contexto chinês, se você está tentando entender por que é difícil entrar na casa das pessoas, tenho quase certeza de que isso se deve principalmente ao fato das pessoas ficarem constrangidas com o estado de suas casa, pois estão cheias de coisas que não têm serventia, que compraram por capricho porque estavam à venda. Felizmente, esse não foi o caso do livro do Dr. Strange.

[4] John Bolt, “The Missional Character of the (Herman and J. H.) Bavinck Tradition”, The Bavinck Review 5 (2014): 57.

[5] John R. W. Stott, Christian Mission in the Modern World, IVP classics (Downers Grove: IVP, 2008), 37. Ele caracteriza a missão do evangelismo como “exclusivamente uma missão de pregação, conversão e ensino”. [Edição em português: A missão cristã no mundo moderno. Viçosa, MG : Ultimato, 2010]

[6] Stott, Christian Mission in the Modern World, 37. [Edição em português: A missão cristã no mundo moderno. Viçosa, MG : Ultimato, 2010]

[7] Christopher J. H. Wright, The Mission of God: Unlocking the Bible’s Grand Narrative (Nottingham: IVP, 2006). [Edição em português: A missão de Deus: desvendando a grande narrativa da Bíblia. Vida Nova, 2014]

[8] Timothy Keller, Generous Justice: How God’s Grace Makes Us Just (New York: Penguin, 2010). [Edição em português: Justiça generosa: a graça de Deus e a justiça social. Vida Nova, 2013]

[9] Kevin DeYoung and Greg Gilbert, What Is the Mission of the Church?: Making Sense of Social Justice, Shalom, and the Great Commission (Wheaton: Crossway, 2011), 27. [Edição em português: Qual é a missão da Igreja? Entendendo a justiça social e a grande comissão. Editora Fiel, 2015]

[10] Jonathan Leeman et al., Four Views on the Church’s Mission, Counterpoints: Bible and Theology (Grand Rapids: Zondervan, 2017).

[11] O título da edição é “The Church in Mission and the World.” Mission Round Table 13, no. 3 (setembro-dezembro de 2018), https://omf.org/wp-content/uploads/2019/01/MRT-13.3-Sep-Dec-2018-The-Church-in-Mission-and-the-World.pdf (acessado em 11 de setembro de 2019).

[12] J. H. Bavinck, An Introduction to the Science of Missions, trans. David H. Freeman (Grand Rapids: Baker, 1961), 87.

[13] (tradução nossa)“almost always forgotten chapter of doctrinal theology, that is one of the most dominant ideas when we are dealing with missions.” Johan Herman Bavinck, “Theology and Mission”, Free University Quarterly 8 (1981): 63.

[14] (tradução nossa) “resounds like a majestic chorale through the Bible, from Genesis to Revelation. The Psalms, especially, sometimes tremble with ecstasy when they extol this kingdom.” J. H. Bavinck, Between the Beginning and the End: A Radical Kingdom Vision, trans. Bert Hielema (Grand Rapids: Eerdmans, 2014), 27.

[15] Bavinck, Between the Beginning and the End, 28.

[16] Ibid., 29.

[17] Ibid., 29.

[18] Ibid., 31.

[19] Ibid., 32-3.

[20] Ibid., 34.

[21] Ibid., 36.

[22] Ibid., 35.

[23] (tradução nossa)“becoming part of the wider context of the kingdom of God, where all things are again unified under the one and only all-wise will of him who lives and rules forever”. Bavinck, Between the Beginning and the End, 35.

[24] P. J. Visser, Heart for the Gospel, Heart for the World: The Life and Thought of a Reformed Pioneer Missiologist, Johan Herman Bavinck, 1895–1964 (Eugene: Wipf and Stock, 2003), 239; resumindo Johan Herman Bavinck, The Impact of Christianity on the Non-Christian World (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), 36.

[25] Bavinck, The Impact of Christianity on the Non-Christian World, 37.

[26] (tradução nossa) “and in that immense work of God we are his hands.” J. H. Bavinck, The J. H. Bavinck Reader, eds. John Bolt, James D. Bratt, and P. J. Visser (Grand Rapids: Eerdmans, 2013), 75.

[27] (tradução nossa) “If we wish to use the expression ‘general revelation’ we must not do so in the sense that one can logically conclude God’s existence from it. This may be possible, but it only leads to a philosophical notion of God as the first cause. But that is not the biblical idea of “general revelation.” When the Bible speaks of general revelation, it means something quite different. There it has a much more personal nature. It is divine concern for men collectively and individually. God’s deity and eternal power are evident; they do not let go of him, even though man does his best to escape them.” Johan Herman Bavinck, The Church Between Temple and Mosque: A Study of the Relationship Between the Christian Faith and Other Religions (Grand Rapids: Eerdmans, 1966), 124.

[28] Visser, Heart for the Gospel, 120-4.

[29] Ibid., 125-6.

[30] Ibid., 126-7.

[31] Ibid., 130.

[32] Vale a pena notar que seu novo entendimento está bem alinhado com a tradição reformada com a qual ele se  identifica.

[33] Visser, Heart for the Gospel, 132-3.

[34] Visser, Heart for the Gospel, 133.

[35] Bavinck, An Introduction to the Science of Missions, 58.

[36] Para Bavinck, que possuía uma eclesiologia reformada holandesa, a igreja local é o principal agente no cumprimento da Grande Comissão, pois ele a vê como o único lugar onde o batismo pode ocorrer e, portanto, a igreja local continua sendo a única instituição onde a “Grande Comissão” pode ser cumprida na íntegra. Bavinck, An Introduction to the Science of Missions, 60. Além disso, são as lideranças da igreja que podem administrar os sacramentos: a ceia do Senhor e o batismo. Portanto, as lideranças da igreja têm a responsabilidade particular de ajudar a congregação a realizar a tarefa missionária de Deus e de fazê-la eles mesmos.

[37] Bavinck, An Introduction to the Science of Missions, 68.

[38] Ibid., 90-120.

[39] Ibid., 121-52.

[40] Bavinck, An Introduction to the Science of Missions, 108.

[41] Ibid., 109.

[42] Ibid., 109.

[43] Ibid., 112.

[44] Não encontrei nada no pensamento de Bavinck em inglês que explicitamente vincule a abordagem abrangente à sua concepção de revelação geral. Eles parecem tão organicamente e logicamente conectados, no entanto, que parece difícil negar sua ligação.

[45] De forma semelhante à nota de rodapé anterior, não tenho conhecimento de Bavinck fazer um vínculo direto entre revelação especial e a abordagem querigmática, mas o vínculo parece tão orgânico e lógico que é difícil negá-lo.

[46](tradução nossa)“Missions is that activity of the church—in essence it is nothing else than an activity of Christ exercised through the church—through which the church in its interim period, in which the end is postponed, calls the peoples of the earth to repentance and to faith in Christ, so that they may be made his disciples and through baptism be incorporated into the fellowship of those who await the coming of the kingdom.” Bavinck, An Introduction to the Science of Missions, 62.

[47] “Sobre a OMF Internacional,” OMF | Missões para povos do Leste Asiático, n.d., https://omf.org/about-omf/ (Acessado em 11 de setembro de 2019).

[48] Bavinck, The J. H. Bavinck Reader, 18.

[49] Peter Rowan, “What Is Our Mission?,” Billions (15 de maio de 2015), https://billions.omf.org/what-is-our-mission/ (Acessado em 11 de setembro de 2019).

[50] Bavinck, The Church Between Temple and Mosque, 148.

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