Budismo na Ásia

Como os cristãos podem se envolver?

por Hugh Kemp

A atuação missionária cristã entre os budistas na Ásia tem sido, tradicionalmente, muito difícil, não necessariamente devido a um conflito existente, mas por causa da indiferença ao evangelho ou ao seu não entendimento ou, ainda, devido à maneira como ele tem sido oferecido. Pode-se facilmente imaginar um monge em suas vestes amarelo-alaranjadas ouvindo respeitosamente a mensagem do evangelho, aparentemente concordando com quase tudo, mas não fazendo nada a respeito depois de ouvi-la.

 

Os missionários contam histórias dos longos anos e muita oração investidos no testemunho cristão aos budistas, com poucos frutos em termos de conversões genuínas. Mas há algumas exceções, como o incrível crescimento de igrejas na China e na Mongólia.

Desafios 

O budismo traz muitos desafios:

  • Há a linguagem, que está fora da experiência cristã. Por exemplo, o que significaria a expressão “encontrar refúgio nas Três Jóias”?
  • As palavras são usadas com sentido diferente (vazio, ego, iluminação).
  • Os textos são escritos em pali, tibetano, chinês e sânscrito, o que leva a pronúncias diferentes da mesma palavra (nirvana, nibbana).
  • palavras complexas, que são difíceis de pronunciar (tente dizer Ajitasenavyakarananirdesa), e conceitos impenetráveis (vazio, nirvana).
  • Em alguns casos, é melhor deixar a palavra no original: dukha, nirvana, dharma, bodhi e samsara são usadas em português sem mudanças nem tradução.

Abordagens

Há várias maneiras de os cristãos se aproximarem dos budistas:

  • Uma aproximação textual pode levantar questões do tipo “Quais textos são importantes?”, “O que é cânon?”, “Qual a natureza da autoridade textual?”, “Qual é o ensinamento chave?” (algumas seitas budistas se unem em torno de um texto em particular, como o Lotus Sutra).
  • Uma aproximação histórico-crítica permite examinar o desenvolvimento histórico dos textos, dos ensinamentos e da prática (houve mudanças à medida que o Budismo se espalhou?).
  • A fenomenologia lança um olhar para aquilo que os budistas realmente praticam, como seus rituais e festivais.
  • Uma abordagem sociológica pode levantar questões do tipo “Como os budistas atuam na vida das pessoas e de suas comunidades?”, “Quem está envolvido?”, “Por quê?”, “Como a liderança é exercida?”, “E quanto ao poder e à ordem social?”.
  • Outras abordagens podem suscitar visões diferentes e interessantes: política, antropológica, filosófica, feminista, psicológica etc.

Se um cristão quer se envolver com um budista, qualquer um desses caminhos pode levar a conversas proveitosas. Na verdade, os cristãos precisam conversar com os budistas, em vez de simplesmente aprender sobre eles. 1

O budismo no mundo

As estimativas variam, mas existe amplo consenso de que aproximadamente 6% da população mundial é budista de alguma maneira (entre 350 e 500 milhões de pessoas, talvez chegando a 1 bilhão). 2 Os dados podem ser obtidos em censos, mas eles representam apenas um instantâneo da percepção pessoal. Muitas vezes, o Budismo está misturado com religiões locais, desde o animismo das tribos das montanhas da Tailândia (o original Bön, do Tibete) até o Xintoísmo do Japão. Além disso, alguns países têm o Budismo como religião oficial de Estado, como o Sri Lanka. Já na China, em contraste, é praticamente impossível separar o Budismo do Taoísmo e do Confucionismo.

O budismo, em alguma forma, está presente em mais de 125 países, mas a Ásia é o seu lar. Em termos de porcentagem, os budistas estão distribuídos da seguinte maneira: Tailândia (87%), Camboja (85%), Butão (84%), Mianmar (75%), Sri Lanka (70%), Japão (56%), Mongólia (55%), Laos (53%), Vietnam (50%), Formosa (27%), Coréia do Sul (25%), Macau (17%), Hong Kong (15%), Cingapura (15%), Nepal (12%), Brunei (10%), Malásia (6%) e Coréia do Norte (2%).3 Há ainda uma pequena, mas significativa, população budista na Índia (7 milhões). A China, com aproximadamente 244 milhões de budistas, talvez seja o lar de praticamente metade dos budistas do mundo.4 Los Angeles, na Califórnia, é na verdade a cidade de maior diversidade budista do mundo, com representantes de todas as tradições do Budismo.

Prática 

Não é de se admirar, portanto, que o budismo pareça diferente em cada um desses países, demonstrando muitas variações quanto à escolas e tradições. Algumas são fortemente baseadas em textos e doutrinas, enquanto outras praticam a doutrina até certo ponto, havendo ainda aquelas que descartam a doutrina totalmente. O próprio Buda5 afirmava que seus ensinamentos (o dharma) eram como uma canoa usada por uma pessoa para atravessar um rio. Uma vez alcançada a outra margem, a pessoa poderia descartar a canoa e continuar sua própria jornada.

Os cristãos precisam conversar com os budistas, em vez de simplesmente aprender sobre eles

Muitos daqueles que se aproximam do budismo o fazem pela prática, em vez de pela crença. A ortopraxia é, geralmente, mais importante do que a ortodoxia. No início do budismo, novos grupos se formavam devido muito mais a problemas de disciplina monástica do que a questões de heresias doutrinárias. Tal fato contrasta com os primeiros cinco séculos da história do Cristianismo, em que os conflitos – e os credos resultantes – foram criados, provavelmente, por problemas doutrinários.

Em geral, o budismo trata mais de técnicas práticas e ética para viver. O discípulo segue um caminho ou uma maneira, utilizando uma técnica em direção a um fim (despertamento/iluminação) – como a prática da meditação, que leva à iluminação – ou tornando-se monge ou monja.

A principal ideia é experimentar o que os ensinamentos e textos oferecem. Rupert Gethin sintetiza isso muito bem:

O objetivo do budismo é colocar em prática uma maneira particular de viver a “vida espiritual” (brahma-cariya), o que envolve treinamento em conduta ética (sila) e técnicas de contemplação e meditação (samadhi), que culminam na obtenção do grande conhecimento (prajna) que o próprio Buda alcançou. Portanto, o que Buda ensinou é, muitas vezes, referido nos textos antigos como um sistema de “treinamento” (siksa), e seus discípulos podem ser considerados como estando “em treinamento” (saiksa)… Assim, em certos aspectos, a natureza do conhecimento que Buda estava tentando transmitir a seus pupilos era mais parecida com uma habilidade, como saber tocar um instrumento musical, do que com uma informação, como a que horas o avião decola amanhã. 6

Budismos

Portanto, um cristão que desejar dialogar com um budista do Vietnã provavelmente terá uma conversa muito diferente de uma com um budista do Tibete, de Taiwan ou até mesmo do Brasil. É mais sábio pensar em Budismos – uma coleção de ideias e práticas fragilmente relacionadas, contidas em tradições e textos históricos –, do que pensar em uma religião unificada chamada Budismo.

O Zen-budismo no Japão e o Budismo Vajrayana no Tibete parecem conter similaridades, mas são muito diferentes. Um aldeão do Nepal pode não ter ouvido falar das Quatro nobres verdades do Budismo, mas se você as ler para ele, talvez ouça algo parecido com “Ah, essa é mais ou menos a maneira como eu vejo o mundo”.

As três tradições

Historicamente e doutrinariamente, há três grandes categorias de budismo: o Budismo Theravada (Tradição dos Anciãos), o Budismo Mahayana (o Grande Veículo) e o Budismo Vajrayana (Veículo do Diamante ou duro como um Diamante). Os mahayanistas menosprezam os theravadianos, chamando-os de hinayanistas (veículos inferiores). Alguns estudiosos consideram os vajrayanistas uma subdivisão dos mahayanistas,

É mais sábio pensar em budismos do que pensar em uma religião unificada chamada budismo

Geograficamente, essas três categorias estão distribuídas da seguinte maneira:

  • Theravada (Budismo do Sul) – Sri Lanka, Tailândia, Camboja, Laos e Birmânia.
  • Mahayana (às vezes, chamada de Budismo do Leste) – China, Japão, Coréia, Taiwan e Vietnã.
  • Vajrayana – (às vezes, chamada de Budismo do Norte) – Tibete, Mongólia, Buriácia, Tuva e Calmúquia (regiões da Rússia) e Budismo Shingon (Japão).

Cada uma dessas três tradições tem subdivisões:

  • O Budismo Vajrayana (às vezes, chamada de Budismo Tibetano), que é composto de quatro grupos: Nyingma, Kagyu, Sakya e Gelug (ao qual o Dalai Lama pertence).
  • O Budismo Mahayana, que inclui, entre outros, o Zen (e o Ch’an), o Tien Tai e o Pure Land.
  • O Budismo Theravada, que inclui o a Tradição Tailandesa da Floresta (Thai Forest) e a Meditação do Autoconhecimento.

Além disso, algumas tradições que experimentaram uma renovação e um redirecionamento e tinham sido exportados para o Ocidente estão retornando a sua terra natal asiática. A Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana é um exemplo: saiu completamente do Tibete (informado pela seita Gelug), foi para o Nepal, depois para o Ocidente e retornou ao contexto budista tibetano, mantendo um centro em Ulaanbaatar, na Mongólia. Outras facções novas surgiram mais recentemente: a Soka Gakkai, um budismo humanista japonês, que teve certa proeminência no Ocidente durante algum tempo.

Como se envolver

É recomendável uma aproximação respeitosa, procurando ouvir bem para deixar claros os significados, mas sem receio de abordar as diferenças

Na tentativa de se envolver com os budistas, o cristão normalmente sente-se confuso. As categorias do Budismo são complexas, baseadas em diferenças importantes em termos de visão de mundo. Stephen Prothero7 acertadamente observa que budistas e cristãos vêem o problema da humanidade e a sua solução de dois ângulos completamente diferentes.

Para um budista, o problema humano fundamental é o sofrimento, e sua solução seria o despertamento, com posterior libertação da samsara. Para um cristão, o problema fundamental do homem é geralmente identificado como pecado, cuja solução é a salvação/libertação em Cristo.

Eu recomendaria uma aproximação respeitosa, procurando ouvir bem para deixar claros os significados, mas sem receio de abordar as diferenças. Os exemplos de abordagens a seguir podem ajudar a quebrar barreiras em relação ao evangelho:

  1. Prática – “O que você faz?” Meditação, rituais e ética. Quais disciplinas espirituais eu pratico como cristão, sobre as quais posso falar?
  2. Doutrina/Teologia – “Como você encara o mundo ao seu redor?” A natureza da realidade, a natureza das divindades e Deus. Sofrimento e mal. Conheço bem minha própria fé, especialmente alguns assuntos mais profundos, como por que um Deus bom permite o mau no mundo?
  3. Autoridade – “Qual é a natureza dos textos em sua tradição, bem como o papel do seu guru/mestre?” Mitos, fábulas e literatura de sabedoria como provérbios. Qual é papel da Bíblia e dos pregadores/mestres que eu ouço sobre minha vida – tanto como autoridades quanto como formadores da minha visão de mundo – e sobre minha teologia?
  4. A pessoa ideal – “O que significa ser uma pessoa ideal?” O arhat (no Budismo Theravada), o bodhisattva (no Budismo Mahayana/Varajrayana). O que significa ser “feito à imagem de Deus”? Sou capaz de explicar a singularidade de Cristo, tanto em sua humanidade como em sua divindade? Posso discorrer sobre expiação, ressurreição, ascensão e segunda vinda?
  5. Poder espiritual – “O que ou quem causa o sofrimento?” A lei da liberdade, da iluminação e da salvação. Seres espirituais. Estou seguro do meu lugar em Cristo para, em oração, ser capaz de entrar em batalha espiritual contra principados e potestades?

Algumas pessoas dizem que o Budismo tem pontos em comum com o Cristianismo: céu/paraíso no Budismo Pure Land, ou conceitos como compaixão e paz, que são freqüentemente citados pelo Dalai Lama. Entretanto, isso é superficial. O “paraíso” do Pure Land não é uma recompensa, mas apenas um lugar melhor para praticar o dharma (os ensinamentos budistas) e ter melhor oportunidade para obter despertamento. O Dalai Lama usa as palavras compaixão, paz e harmonia como tradução de palavras tibetanas cujo significado é muito diferente do sentido em português e seu entendimento no ocidente.

Alguns cristãos que se convertem do budismo têm um conceito de Jesus Cristo como o bodhisattva máximo, que deu sua própria vida em sacrifício para que outros pudessem ser libertos das amarras cármicas e do sofrimento (samsara) para um relacionamento completo com Deus.

Tendo em vista que as alegadas similaridades entre Budismo e Cristianismo são superficiais, os cristãos envolvidos na missão entre os budistas precisam também reconhecer que, como outras religiões, o Budismo tem sido pressionado pela dinâmica de um mundo globalizado. Assim, ele é igualmente suscetível à acomodação, ao fundamentalismo e à politização. O Sri Lanka e a Tailândia são exemplos disso.

Indo além

Várias agências missionárias evangélicas dão prioridade a grupos budistas, havendo ainda algumas redes de estudiosos cristãos que estão traçando estratégias para trabalhar entre os budistas na Ásia. Todo ano, em janeiro, uma conferência realizada em Chiang Mai, na Tailândia, reúne cristãos para pensar sobre missão entre os budistas e compartilhar as melhores práticas nesse sentido.8 Em 2012, foi realizado um seminário em Bangkok, reunindo reitores de 15 seminários asiáticos para rever os currículos das faculdades bíblicas em relação ao envolvimento missionário com os budistas. Se quiser saber mais sobre missão entre os budistas, contate-me pelo e-mail h.kemp@xnet.co.nz.

Notas

1 Nota do Editor: Veja Western Buddhism: A new-ish frontier for Christian mission, de Hugh Kemp, na edição de setembro de Lausanne Global Analysis.

2 O site budista www.buddhanet.net informa que esse número está entre 200 e 500 milhões. O Pew Forum estima em 488 milhões.

3 ARDA (Association of Religion Data Archives), 2010, http://www.thearda.com/QL2010/QuickList_38.asp, acessado em 10 dezembro de 2014.

4 Entretanto, muitos (senão todos os) estudiosos concordam que é melhor pensar a religião da China como sendo três, isto é, uma mistura indistinguível de Budismo, Taoísmo e Confucionismo.

5 Buda — ou “o primeiro despertado” — foi um personagem histórico chamado Siddhartha Gautama que viveu no norte da Índia, aproximadamente entre o 6º e o 4º século Antes de Cristo.

6 Rupert Gethin. The Foundations of Buddhism. Oxford: Oxford University Press, 1998, p. 36.

7 Stephen Prothero. God is Not One: The Eight Rival Religions that Run the World — and Why Their Differences Matter. New York: HarperCollins, 2010.

8 A participação é somente por convite, devido a razões de segurança.

 

Bibliografia

Gethin, Rupert. The Foundations of Buddhism. Oxford: Oxford University Press, 1998.

Prothero, Stephen. God Is Not One: The Eight Rival Religions that Run the World — and Why Their Differences Matter. Nova York: HarperCollins, 2010.

Leituras adicionais

Baker, E. Buddhism in the Light of Christ: A Former Buddhist Nun’s Reflections, with Some Helpful Suggestions on How to Reach Out to Your Buddhist Friend. Eugene, OR: Resource Publications, 2014.

Baker, E. I Once was a Buddhist Nun. Nottingham: InterVarsity Press, 2009.

Burnett, D. The Spirit of Buddhism: A Christian Perspective on Buddhist Thought. 2ª edição. Londres: Monarch, 2003.

Cioccolanti, S. From Buddha to Jesus: An Insider’s View of Buddhism and Christianity. Oxford: Monarch, 2007.

Gombrich, R F. Theravada Buddhism: A Social History from Ancient Benares to Modern Colombo. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1988.

Harvey, P, ed. Buddhism. Londres: Continuum, 2001.

Lopez, D S. The Story of Buddhism: A Concise Guide to its History and Teachings. Nova York: Harper Collins, 2001.

Williams, P. The Unexpected Way: On Converting from Buddhism to Catholicism. Edimburgo e Nova York: T&T Clark, 2002.

Zacharias, R. The Lotus and the Cross: Jesus Talks with Buddha. Oregon: Multnomah Publishers Inc, 2001.

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