Influencers Evangélicos, a Politização da Fé e a Missão da Igreja

por Marcos Amado

1. As antigas e as novas realidades

Suponhamos que tivéssemos um helicóptero supermoderno e tecnológico e subíssemos a uma altura que nos permitisse ver, através de lentes cristãs, os diferentes desafios da América Latina. O que veríamos?

  • Povos ainda “não-alcançados” pelo o Evangelho;
  • Milhões de crianças vivendo nas mais diversas situações de risco e vulnerabilidade (tráfico de crianças, escravidão sexual, fome, analfabetismo, etc.);
  • O aumento crescente do nominalismo entre os cristãos evangélicos;
  • Uma urbanização desordenada e o sofrimento humano decorrente dessa urbanização (pobreza, crescimento no número de usuários de drogas, exploração do ser humano por meio de grupos criminosos etc.);
  • Milhões de pessoas em diferentes grupos sociais que ainda não escutaram o evangelho;
  • Refugiados muçulmanos que precisaram abandonar os seus lares em razão de guerras, revoluções e perseguições e que, em seus países, teriam pouquíssimas chances de ouvir o evangelho. Ao buscarem uma nova vida em países como Brasil, Chile, México, Argentina, etc., muitas vezes se deparam com situações sub-humanas ou mesmo análogas à escravidão;
  • A migração massiva de latino-americanos para os países do Norte – ou mesmo do Sul – buscando oportunidades para uma vida digna (causando, entre outros males, a ‘fuga de cérebros’);
  • Uma sociedade que está cada vez mais cética e materialista (impulsionada pelas ideias que emanam de um Ocidente secularizado e que chegam até nós pelas asas da globalização), e nos desafia a pensarmos em uma nova missiologia com formas mais adequadas e relevantes de apresentar o evangelho;
  • Grupos étnicos com idiomas para os quais a Bíblia ainda não foi traduzida;
  • Supostos cristãos e não-cristãos fazendo uso da corrupção para enriquecimento ilícito e, consequentemente, exacerbando o estado de pobreza e miséria de milhões de pessoas.

 

2. O que Deus espera de nós?

Sem dúvida, um quadro bastante desafiador. Agora, suponhamos que, no meio desta realidade:

Deus espera que reflitamos a sua imagem por onde passarmos¹, o que contribuiria para que pudéssemos promover os valores do Reino no contexto em que vivemos e atuamos², permitindo, dessa forma, que participemos no projeto dele de, em Cristo, reconciliar o cosmos para consigo mesmo³, e que proclamemos, até os confins da terra, que, na cruz, há perdão de pecados e restauração de todos os relacionamentos perfeitos que foram fragmentados no Éden.4

Se realmente for isso que Deus espera de nós é imprescindível que, no meio da desafiadora realidade em que vivemos no Brasil,

  • Tenhamos uma igreja que seja espiritualmente forte, teologicamente saudável e demonstre unidade no meio da diversidade.

Mas a impressão que eu tenho tido à medida que tento acompanhar o desenvolvimento e envolvimento missionário da igreja evangélica, é que o que estamos vendo não é necessariamente uma igreja saudável, mas sim

  • O crescimento de um cristianismo muitas vezes individualista, descontextualizado, fragmentado e polarizado valoriza os eventos multitudinários, cultua personalidades e influencers, idolatra líderes políticos, aprecia a riqueza exacerbada e supervaloriza a estética e a ‘sentimentalização’ da fé.

Supondo que esta minha percepção (com honrosas exceções) esteja certa, então minha tese é que

  • A igreja brasileira está em crise e é a principal nova realidade que precisa ser levada em consideração. Se não fizermos uma análise crítica sobre o quão saudável ela está para ser um instrumento nas mãos de Deus e testemunhar sobre o Senhor Jesus em todas as esferas da sociedade, nosso esforço para discutir sobre os desafios e oportunidades que surgem a partir das novas realidades pode se tornar pouco frutífero.

 

3. Mudanças de paradigmas

Por uma série de razões políticas, sociais e econômicas, que começaram na Europa e nos Estados Unidos e acabaram influenciando o subcontinente latino-americano, nossa sociedade passou por uma forte mudança de paradigma nos últimos 50 anos.

Hans Kung afirma que ao longo dos séculos os cristãos experimentaram várias mudanças de paradigmas. Nesse contexto, é possível que o maior desafio seja que, enquanto não há um novo paradigma que se sobreponha ao anterior, a sensação é de caos, incertezas e inseguranças.

É minha convicção, no que tange o modelo de igreja e cristianismo vigentes no Brasil (e em diferentes partes do mundo), que estamos vivendo no centro de uma dessas mudanças de paradigmas com a consequente sensação de caos, incertezas, inseguranças e grandes disrupturas resultantes de uma sociedade que se sente à deriva.

Estas incertezas levaram os cristãos evangélicos a uma forte insegurança sobre quem eram e qual era o seu papel na sociedade. Com isso, ativaram o botão do pânico e entraram no modo ‘precisamos nos defender da sociedade’.

E haviam razões claras para que se sentissem assim e entendessem que precisavam defender valores considerados pétreos para muitos cristãos.

A sensação (real ou não) era de que estavam sendo atacados por uma sociedade cada vez mais secularizada em questões como: (…)

Veja a continuação no arquivo anexo a este post

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