O tempo – Reflexão de Fim de Ano

O Tempo – Reflexão de Fim de Ano

por Rafael Langraff

Mais um ano se encerra. O tempo está passando rápido, não está? Acredito que este seja um dos temas mais recorrentes desde uma conversa informal entre amigos em um final de tarde até dois desconhecidos “passando tempo” em uma fila de banco. Não é de hoje que o tempo tornou-se conteúdo de conversa. Este é um assunto que gerou grandes discussões filosóficas e teológicas sendo tema recorrente na própria bíblia.

No quarto século, Agostinho defendeu que o passado já não mais existe e o futuro ainda não veio a existir, sendo o presente a única realidade que existe. Deste modo, o ser humano existe apenas no presente, desconectado com a realidade temporal e material – corrompida pelo pecado – aguardando o repouso da alma naquilo que é mais consonante à natureza humana, a saber, a eternidade. Para o filósofo Martin Heidegger, tal argumento metafísico perde de vista a questão fundamental da experiência do ser. Segundo ele, o homem é um “ser-no-mundo” totalmente relacionado ao meio em que vive, em uma relação direta com o passado, o presente e o futuro. O passado é tão importante para construção de quem somos no presente quanto o futuro, e por futuro, segundo Heidegger, o mais importante para distinção do ser, é a consciência da morte. A diferença entre o homem racional do animal irracional é a consciência da finitude iminente e imprevisível, o que o filósofo alemão denomina de “ser-para-morte”. Segue que nossa existência passa a ser pautada pelo que ele chama de “angústia” – não como um sentimento, mas como uma constatação da possibilidade da própria não-existência. Ao contrário de ser uma constatação pessimista, a angústia é a própria significação do ser pela aspiração de existir. Heidegger introduz, então, o conceito de “projeto” para descrever a natureza do ser-no-mundo voltada para o futuro. A existência humana é definida por seus projetos, seus objetivos e aspirações, sendo o futuro não apenas algo que está por vir, mas uma dimensão fundamental da nossa existência presente.

Todas as religiões e filosofias tem de lidar com o fator morte, realidade irrevogável na natureza humana, o limite do nosso tempo nessa existência. Cada cosmovisão possui uma resposta para a morte, seja como um ciclo de reencarnações, uma vida posterior ou aniquilamento completo do ser. Neste último caso, o aspecto antisobrenatural do racionalismo, conduziu o homem moderno à dificuldade de lidar com uma existência desprovida de significado. Se o homem é apenas uma máquina biológica gerada em um sistema de causa e efeito que, além de vir a existência pela causalidade, deixará de existir em determinado momento, não resta esperança alguma. O filósofo Schopenhauer descreveu a vida humana neste estado como um pêndulo que busca dar sentido à vida, mas sempre retorna ao desespero pela constatação da falta de significado da existência. Ao retirar Deus da equação, o que resta à existência humana é apenas o vazio; vaidade de vaidade.

Como resultado, a morte tornou-se um tabu para o racionalismo do homem moderno. De diferentes formas, na cultura ocidental, a sociedade buscou distanciar do seu imaginário a iminência da morte e a busca pela perpetuação da vida tornou-se ambição utópica. Contudo, a falta da consciência acerca da brevidade do tempo cria uma confusão entre urgência e importância, onde aquilo que não é urgente torna-se prioridade em grau de importância. Saber que o tempo é limitado gera urgência. O que é prioridade em uma vida sem perspectivas?

O tempo é o agora e é tudo o que importa; viva e desfrute o momento. Essa é a filosofia aceita pela sociedade atual, defendida pela mídia e doutrinada aos nossos jovens. É o resultado de ignorarmos Deus, os limites humanos e as interpelações do tempo. Resta-nos o vazio.

A resposta do cristianismo encontra-se na expectativa da vida eterna. Ao contrário do que foi dito,  esperança cristã não consiste apenas em aguardar passivamente o “repouso de nossas almas na eternidade”, mas em vivermos diante de Deus – já no presente – uma existência que se estenderá pela eternidade. Há significado para vida mediante ao fato desta encontrar consequências eternas. Assim como Heidegger afirma que o que difere o homem racional do animal irracional é a consciência da morte como limite da existência, podemos afirmar que o que difere o cristão do homem comum é a compreensão acerca da morte como parte da existência. Foi alicerçado nesta esperança cristã que os martureos dos primeiros séculos de nossa era viveram e morreram pelo evangelho. Mas, se ao invés disso, vivermos de modo despreocupados e inconsequentes, ignorando o aspecto eterno de nossa existência, então, Deus está morto; nós o matamos.

O tempo está passando rápido, não está? Esta constatação deve nos conduzir a refletir como estamos vivendo o tempo que Deus nos oferece para administrarmos como bons mordomos. Que possamos avaliar o tempo que passou e projetar o que virá com o propósito de vivermos o presente como testemunhas fiéis de Deus e desejosos por estarmos com Ele, mas sempre atentos à observação de Sêneca já a quase dois mil anos: “o desafio do homem não é somente a brevidade do tempo, mas também nossa tendência em desperdiçá-lo”.

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