A importância da mentoria para obreiros transculturais

“No campo transcultural, onde as necessidades são muitas, é fácil perder o foco”, diz Lucimara De Larina, formadora de mentores

O que eu estou fazendo aqui mesmo? Essa é uma pergunta que boa parte dos trabalhadores transculturais fazem a si mesmos – e muitas vezes não encontram uma resposta clara – em diferentes momentos após se estabelecerem no campo em que foram ser testemunhas de Jesus e de seu ensinamento.

A brasileira Lucimara De Larina é missionária da Operação Mobilização (OM) há 20 anos e, nos últimos 19, serve na Irlanda com seu esposo – Júnior De Larina – e 3 filhos. Além de ser parte da equipe da Lighthouse Church na cidade de Navan, ela é mentora e forma mentores com base na especialização que fez em Christian Mentoring [Mentoria Cristã] na Cliff College (Reino Unido). Ela conversou com o Martureo, inclusive, em um dos intervalos do treinamento que veio ministrar no Brasil recentemente ara pa equipe da OM Brasil.

Martureo – O que é mentoria?

Lucimara De Larina (LDL) – É uma forma estruturada de auxiliar outra pessoa a descobrir e desenvolver talentos que Deus concedeu a ela.

Martureo – Há mentorias em contextos não cristãos. Em que diferem de uma mentoria cristã?

LDL – Eu já havia estudado bastante sobre mentoria, feito outros cursos antes do que fiz na Cliff College, e todo conteúdo não tinha vínculo algum com a fé cristã, são ferramentas e técnicas que mentores cristãos e não cristãos utilizam e das quais eu continuo lançando mão. Mas eu diria que, pelo fato de a relação do mentor com o que chamamos de protegido ser aberta e transparente – eu como mentora também vou me mostrar, falar da minha vida, de minhas experiências, da forma como enxergo as coisas –, não seria possível desvincular minha fé de minha atuação como mentora porque o evangelho molda toda a minha cosmovisão. Creio que em uma mentoria em que estou envolvida, Deus também está; a própria definição que dei de mentoria mostra que eu vejo os talentos pessoais como um dom de Deus. Assim, antes de eu iniciar um processo de mentoria – que envolve estabelecer alguns acordos – seja ele com uma pessoa que professa ou não a fé em Jesus como Senhor, preciso contar em que acredito e como isso molda minha visão, e a pessoa tem a liberdade de prosseguir ou não já que se trata de um processo de caminhada em conjunto por determinado tempo. Não que na mentoria eu tenha por objetivo falar do evangelho ou explicar a Bíblia, mas eu até posso, eventualmente, ter um texto da Bíblia em alguma dinâmica do processo de mentoria.

Martureo – Então seria um aconselhamento cristão?

LDL – O aconselhamento cristão tem a particularidade de trazer uma resposta bíblica para determinada questão, a mentoria não tem essa proposta. Aliás, é importante dizer também o que a mentoria não é. O mentor não é um conselheiro, nem um psicólogo, não tem as ferramentas dessa ciência, não considera o que se passa dentro da mente da pessoa e não é exposto. Se o mentor, por exemplo, identifica a possibilidade de uma depressão, sugere que a pessoa procure um atendimento especializado. Também não é tomar um café com regularidade com alguém, contar piada e saber da vida. É um processo que tem objetivos, tempo pré-determinado, ferramentas, acordos, métricas…

Martureo – Por que se chama mentoria e não discipulado?

LDL – Porque é possível mentorear alguém sem discipular a pessoa. E há pessoas que discipulam outras sem ter o conhecimento de ferramentas de mentoria. Mas eu diria que alguns instrumentos da mentoria são muito úteis para um discipulado.

Martureo – E quanto ao coaching?

LDL – O coaching é algo mais abrangente. O termo remete aos condutores de carroças ou carruagens, ou seja, tem a ver com um conjunto de técnicas, conhecimentos e ferramentas que auxiliarão a pessoa que está em um ponto determinado ponto A a ir até um determinado ponto B. Na mentoria, por sua vez, é possível focar um assunto específico. Na OM, a proposta para a equipe é uma combinação entre mentoria e coaching, com flexibilidade para a utilização de instrumentos diversos. O programa que estou conduzindo aqui no Brasil agora até se chama Coach-Mentoring Week.

Martureo – Como a OM utiliza a mentoria junto à sua equipe?

LDL – A OM tem um programa estruturado de mentoria. Ela quer que os membros de sua equipe tanto sejam mentoreados como sejam mentores. É muito importante caminharmos junto com alguém, até porque no campo transcultural, onde as necessidades são muitas, é fácil perder o foco. As pessoas às vezes se perguntam: o que eu estou fazendo aqui mesmo? E o pior é que nem sempre sabem a resposta. A mentoria auxilia a não se desviar do propósito e identificar a melhor forma de alcançá-lo potencializando os dons dados por Deus. No processo de preparação para o campo, a mentoria também pode ajudar muito.

Martureo – Outras organizações também têm essa preocupação?

LDL – O cuidado com os missionários transculturais melhorou muito, e eu diria que boa parte delas têm, só que há muito coisa acontecendo de forma empírica. Falta um programa consistente e treinamento especializado.

Martureo – Sua atuação como formadora de mentores é apenas na OM?

LDL – Não, tenho formado mentores em diferentes contextos, e essa formação está disponível tanto em inglês como em português.

Martureo – Na prática, como se dá uma mentoria?

LDL – Começa com um acordo que envolve o mentor e o protegido. Nesse acordo, falamos de periodicidade, duração dos encontros, quantos encontros teremos etc. Algumas mentorias são semanais, mas dá para ser quinzenal ou até mensal, dependendo do contexto. Gosto de encontros de 1 hora, sendo que 15 minutos são reservados para o oi e o tchau e o trabalho se concentra nos 45 minutos centrais. Existe a tendência de, em um tempo maior, o assunto começar a se repetir em ciclos.

Martureo – Você teria algum livro para indicar a quem quer saber mais sobre mentoria?

LDL – Para quem lê em inglês, eu recomendo o Mentoring matters: Building strong christian leaders – Avoiding burnout – Reaching the finishing line [Mentoria importa: Contruindo líderes cristãos mais fortes – Evitando o burnout – Alcançando a linha de chegada], de Rick Lewis (Ed. Monarch Books).

Quer entrar em contato com a entrevistada Lucimara De Larina?

lularina@gmail.com

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