Budismo: tendências e preocupações atuais

Desafios missiológicos e teológicos decorrentes do pluralismo e do sincretismo

Alex G. Smith

Se você tem pouco ou nenhum conhecimento sobre o budismo, recomendamos a leitura do artigo “Reconhecendo o budismo ativo”, do mesmo autor, antes da leitura do conteúdo a seguir.

Contextualização renovada

Com o exemplo e encorajamento de Dalai Lama, e para tornar o budismo mais agradável para os norte americanos, budistas tibetanos se esforçaram para reduzir a magia e os elementos tântricos, com exceção das mandalas de areia que evocam os espíritos e divindades para se fazerem presentes e residentes. Mandalas já foram instaladas em algumas cidades canadenses e americanas, incluindo Los Angeles e Chicago. O livro de Dalai Lama de 1996 sobre Jesus – O bom coração: Perspectivas Budistas nos Ensinamentos de Jesus [The Good Heart: Buddhist Perspectives on the Teachings of Jesus], publicado por Wisdom – atraiu alguns cristãos para o budismo. Seus escritos populares enfatizam o novo foco do budismo:

  • éticas para o novo milenio;
  • felicidade;
  • libertação;
  • tolerância;
  • “paz sem religião”.

Também é minimizado o fato de que o budismo fundamental subjuga para a mulher uma posição inferior. No budismo Theravada, até a mulher renascer como um homem, ela não tem esperança de alcançar o nirvana. Essa nova abordagem moderada e discreta influenciou vários americanos desavisados, especialmente com os fimes de Hollywood divulgando publicamente os princípios e filosofias budistas. Os atores mais queridos, apresentadores de programa de entrevista e até alguns políticos do alto escalão se identificam abertamente com o budismo.

O mundo ocidental está passando por um boom de atenção plena, com todos, desde o exército dos EUA até os bancos corporativos, agregando aspectos de ensinamentos de Buda para promover seus objetivos. O governo estadual do Espírito Santo no Brasil, por exemplo, envia seus policiais militares para desenvolver habilidades de relacionamento interpessoal, equilíbrio emocional e disciplina por meio de meditação em um mosteiro budista zen.

Novas abordagens para a propagação do budismo também foram contextualizadas, algumas, incusive, lançam mão de métodos e estratégias dos cristãos evangélicos. Na Coreia do Sul, por exemplo, os templos budistas tradicionais ficam isolados no topo das montanhas, longe das concentrações da população. Hoje, contudo, muitos sacerdotes coreanos desceram para as cidades e centros urbanos e criaram “templos domésticos”. Isso também ocorre nos EUA. Os convertidos ao soka gakkai usaram bastante a abordagem de “grupo/célula” como fazem muitas igrejas. Em vários territórios budistas, para se tornarem mais compatíveis com a resposta cristã, alguns budistas adaptam as formas cristãs de canto e música em seus cultos, pregam na língua local e incluem as escolas dominicais em seus programas. Em Myanmar, alguns sacerdotes budistas usam seletivamente a Bíblia para pregar e interpretar suas doutrinas. No Ocidente, alguns edifícios de igreja protestante foram transformados em templos budistas.

Questões práticas

Essa nova explosão do mundo budista deve despertar respostas urgentes de teólogos e missiólogos. A seguir aponto três necessidades:

  1. Uma crítica do cristianismo atual para reconhecermos nossos fracassos e nos arrependermos de nossas fraquezas. Isso chama para um esforço conjunto para a renovação da igreja.
  2. Uma avaliação cuidadosa do ministério cristão, especialmente no que tange aos que estão fora da igreja – é preciso redistribuir pessoas e recursos para catalisar uma transformação acelerada da sociedade. Novos esforços para estimular novas energias no evangelismo, na preocupação social prática e na missão transcultural devem se tornar a força motriz e a visão para a igreja no mundo do século 21. Uma nova onda de compaixão, consideração e amor pelos outros seres humanos deveria sensibilizar a igreja para as necessidades e oportunidades que abundam em todas as comunidades. Os vizinhos budistas e os povos de todo o mundo devem ser recipientes cheios do amor de Deus e também de seu evangelho. Não se trata de tarefa fácil.
  3. O desenvolvimento de uma compreensão analítica mais profunda do budismo popular, bem como uma compreensão das ramificações do papel da igreja e de sua contribuição para servir dentro das sociedades influenciadas pelo budismo. Aqui são necessárias pesquisa e experimentação consideráveis.

Preocupações teológicas

Embora pareça haver alguma congruência entre o cristianismo e o budismo, as contradições são evidentes e significativas. Certamente, os budistas modelam exemplos para a igreja na manutenção da disciplina dentro do clero e na defesa de padrões elevados de pureza em seus ensinamentos fundamentais. Eles discernem doutrinas depravadas e divergentes, e disciplinam aqueles que excedem os limites aceitáveis. A igreja deveria continuar a fazer isso também. No entanto, o subestimado dom do discernimento é provavelmente mais crucial agora do que nunca. O relativismo, o humanismo, o universalismo e muitos outros “ismos” atacam a doutrina e a mensagem cristãs. São necessários hoje discernidores teológicos e missiológicos. As distinções vitais e as diferenciações entre o budismo e o cristianismo pedem por esclarecimentos para evitar confusões e aprimorar conceituações confusas.

Algumas questões teológicas que contrastam essas duas religiões e que precisam de uma clara diferenciação e exposição incluem:

  1. Revelação

Divina X intuição humana

  1. A natureza de Deus

Criador e pessoal X Não existente (ou o equivalente ao carma)

  1. A natureza de Cristo

Deus/homem X apenas humano

Representante da libertação X impotente para ajudar

  1. A natureza da vida

Vida única X círculo de múltiplas vidas por meio da reencarnação

  1. Pecado

Transgressão X ilusão

  1. Meios de salvação

Fé X obras

Graça X mérito cármico

Provisão divina X esforço próprio

Muitas outras diferenças mostram que essas duas perspectivas religiosas são, na verdade, diametralmente opostas. Muitas semelhanças sugeridas são geralmente superficiais.

Além disso, há um grave problema de discrepância semântica nos diálogos entre budistas e cristãos. O uso de palavras semelhantes não implica significados equivalentes em ambas as religiões. Até os mesmos símbolos podem ter definições e conotações muito divergentes. Por exemplo, alguns estudiosos budistas, como Bhikku Buddhadasa Indapanno, dizem que os budistas acreditam em Deus. Na The Sinclaire Thompson Memorial Lectures: Christianity and Buddhism (1967), ele interpretou que Deus é equivalente ao carma (causa e efeito) e também à ignorância (uma fonte de sofrimento). Para aqueles envolvidos em diálogo ou debate, uma identificação cuidadosa da discrepância no sentido será crucial para a compreensão completa. Não estar na mesma página garante falha para se chegar a um acordo ou a conclusões adequadas.

Desafios missiológicos

Com referência específica ao budismo popular, são numerosas as questões missiológicas a serem estudadas. Sugiro três importantes:

  1. O conceito budista de transferência de mérito de sacerdotes ou bodisatvas (pessoas que alcançaram o nirvana) pode ser comparado com a graça de Cristo por meio de seu sacrifício substitutivo? O esforço e o mérito humano equivalem à reconciliação com Deus por meio de Cristo?
  2. O conceito de um futuro Buda de Maitreya pode ser usado como uma analogia de redenção cumprida em Jesus Cristo, ou apenas como um ponto de contato pelo qual prosseguir em direção ao evangelho? Uma analogia tão redentora dá uma credibilidade demasiadamente alta de revelação às escrituras budistas? Ser um budista messiânico é aceitável tanto para a igreja quanto para a Sangha? Os estudiosos budistas negariam tal possibilidade porque esta ainda é a Era do Buda Gautama, então a vinda de Cristo há cerca de 2000 anos já anula a possibilidade de que ele tenha cumprido a vinda de Buda?
  3. A igreja e as missões podem manter a credibilidade contextual com a ameaça atual do novo sincretismo na igreja em casa e no exterior? Quais perigos estão pela frente por causa das definições confusas e da obscuridade das distinções entre as perspectivas e os princípios cristãos e budistas? O que deve ser feito para preservar a fé e os fundamentos do cristianismo no clima plural de hoje?

Parece que cada vez mais uma violenta corrente de oposição e perseguição enfrentará a igreja no futuro. Se ela deve manter seu mandamento de fazer discípulos de todos os povos, línguas, tribos e nações, será necessária uma nova autenticidade no serviço amoroso e uma elevada sensibilidade no testemunho do Salvador.

Quer saber mais sobre o budismo e as religiões asiáticas?

Acesse aqui uma seleção de 12 artigos sobre o tema.

 

Sobre o autor

Alex Smith é missionário da OMF Internacional há 45 anos. Serviu por duas décadas entre budistas na Tailândia, e desde então, ministra ao redor do mundo. Ele dá aulas sobre o Budismo, Cristianismo e Religiões Globais em seminários na Ásia e no ocidente.

Esse artigo é o capítulo 2 do livro O Budismo através do olhar cristão, de Alex Smith, publicado pela OMF Internacional (OMF Books) em parceria com a Sepal. A edição em português é de 2017 e segue versões anteriores em alemão e espanhol. Tradução: Fabiana Fraga. Revisão: Deborah Vieira. A publicação pelo Martureo foi devidamente autorizada pela OMF.

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