Como a muçulmana Hana reconheceu Jesus como Senhor

Dicas úteis para a interação entre cristãos e muçulmanos

A cristã Hana (nome fictício) mora atualmente no Brasil (2020), onde realiza um trabalho de acolhimento a imigrantes árabes que deixaram o país natal por conta de guerra, perseguição religiosa ou outro motivo grave.

Sua jornada até abraçar as boas-novas do evangelho de Cristo traz algumas informações que podem ser úteis para a interação entre cristãos e muçulmanos.

 

Nasci no Cairo, no Egito, e cresci em uma família muçulmana. Cobria minha cabeça, realizava as cinco orações diárias, conhecia os fundamentos do islã, vivia sob a shariah e assim por diante. Por volta dos 20 anos de idade, época em que estava na faculdade de Zoologia, comecei a questionar a visão que tinha sobre Deus/ Alá. O contato com a ciência me fez ver coisas belas, em uma ordem incrível, isso tudo não ornava com a ideia de Deus que eu havia formado. Não estava convencida a respeito do caminho que trilhava, estava intrigada. Havia, de certo modo, abandonado a minha fé.

Quando eu já trabalhava em uma indústria farmacêutica, foi amplamente noticiada a aparição da Virgem Maria no Egito no ano de 2010, muitos afirmaram tê-la visto. Falavam, também, sobre o Espírito Santo. Eu queria saber que coisa era essa. Nem sabia que o Espírito Santo era uma pessoa, para mim era alguma coisa. Perguntei a um colega de trabalho que se declarava cristão. Além de ele ter ficado muito temeroso pelo fato de uma muçulmana tê-lo questionado a respeito de sua fé, percebi que ele teve dificuldade de saber explicar de forma simples quem era o Espírito Santo. Vejo como é importante que todo cristão saiba explicar a quem quer que seja a respeito de sua fé de forma simples, como a uma criança de 5 anos de idade.

Em minha busca, certo dia, entrei em uma igreja cristã copta. Fiquei impressionada com o colorido das imagens, que falaram ao meu coração, mas especialmente com uma pessoa que lá estava contrita e chorando muito. Pedi a Alá[1] que se revelasse a mim nesse dia. Um tempo depois, vi sobre a mesa de um colega um livro cujo título afirmava algo como “Acreditamos em um Deus: Pai, Filho e Espírito Santo”. Bom, já que não podiam me explicar mais sobre Deus, seja por medo ou por falta de palavras, pedi o livro emprestado. Não sei se um cristão faz ideia de como alguns conceitos são difíceis de serem assimilados por alguém que nunca teve contato com eles. Deus foi um homem que viveu entre nós? Jesus é Deus? Deus sentiu o que nós sentimos? Deus é um em três pessoas? Deus foi crucificado? Isso soa como algo injusto e absurdo. Para quem não tem a ideia de um Deus que se relaciona com o homem, mas de um ser “inatingível”, que deve ser temido, isso é muito chocante.

As inúmeras dúvidas levaram-me até outra igreja cristã no Egito, uma igreja evangélica. Na visão de um muçulmano, você pode ser possuído por um demônio se ousar entrar em uma igreja cristã, então é algo muito ousado. Por isso, não funciona convidar um amigo muçulmano para participar de um culto cristão. Bem, lá, encontrei um homem que respondeu aos meus questionamentos. Ele sempre lançava mão de algum versículo como resposta. Leu uma porção de trechos da Bíblia. Não tenho a menor dúvida de que o Espírito Santo de Deus abriu meu entendimento para eu compreender aqueles textos. Eu disse a ele que gostaria de poder ler a Bíblia, mas não tinha acesso a uma. Para minha surpresa, ele destacou o evangelho de João, rasgou-o de sua Bíblia, e me entregou. Ora, nenhum muçulmano poderia rasgar o livro sagrado do islã, o Alcorão. Trata-se de uma afronta. Segundo creem os muçulmanos, a simples presença do Alcorão abençoa uma casa, um lugar, ainda que você não o leia. Claro, hoje eu entendo que a mensagem da Bíblia é sagrada, não o papel e a tinta, mas tal atitude é ofensiva à cultura islâmica. [Como dizem por aí: #ficaadica.]

Eu não podia levar aquele trecho da Bíblia para casa por conta de minha família. Precisava lê-la em outros lugares. Como mencionei, o Espírito Santo me deu entendimento para eu compreender o evangelho. É interessante que hoje, muitas vezes, preciso consultar comentários e outras fontes para assimilar boa parte dos textos bíblicos, mas, naquele momento, eu de fato compreendia as coisas conforme as lia, algo sobrenatural.

Ao longo de 7 meses, encontrei-me com esse cristão de três a quatro vezes por semana para conversarmos, estudarmos juntos a Bíblia. Assim como em São Paulo e em outras metrópoles, há muito trânsito no Cairo, e eu levava duas horas do trabalho até minha casa uma vez que saía na chamada hora do rush. Ficar por uma hora na igreja não fazia com que chegasse mais tarde em casa, pois, quando terminávamos, o tráfego já fluía, e daí eu só gastava uma hora no deslocamento. Dessa forma, ninguém de minha família notou qualquer mudança na rotina.

Tomei, então, a decisão de me batizar. O líder cristão com quem eu caminhava hesitou, afinal, ele sabia das implicações de minha resolução junto à minha família e comunidade. Penso que também tinha medo de que sua comunidade cristã sofresse alguma represália por receber uma pessoa de origem muçulmana. Mas eu estava resoluta, e, por cerca de um ano, consegui manter minha fé em Jesus Cristo em segredo. Até que um amigo de meu irmão me viu entrando na igreja, e contou para ele. A reação foi terrível. “Melhor teria sido você se tornar uma prostituta a se tornar uma infiel”, disse meu irmão. Após trazerem líderes religiosos muçulmanos no intuito de me dissuadirem de minha decisão, algo que não aconteceu, fui jurada de morte. Mantiveram-me trancada em casa, mas, certo dia, minha mãe entregou meu passaporte e algum dinheiro, soltou-me, e disse para eu fugir do país e nunca mais voltar. Ela repetia: “Eu não entendo. Simplesmente não entendo”. Ainda assim, permitiu minha fuga para que eu não morresse. Em 2012, aterrissei no Líbano, onde, por meio de alguns contatos, consegui acolhimento junto a alguns cristãos locais. Dois anos depois, soube do falecimento de minha mãe.

No Líbano, pude fazer um mestrado em Divindade, e conheci meu atual esposo no seminário onde eu estudava e trabalhava ajudando no que fosse necessário. Ele também é egípcio, mas não vem de um contexto muçulmano e sim cristão (copta). Atuávamos no Líbano com refugiados sírios. Quando fiquei grávida, precisamos procurar um novo país que nos acolhesse e que pudesse conceder ao nosso filho uma cidadania: se ele nascesse no Líbano, seria apátrida, o que geraria uma série de dificuldades futuras.

Viemos, então, para o Brasil em 2017 por conta de cristãos brasileiros que conhecemos e se dispuseram a nos acolher. Em princípio, voltaríamos em menos de um ano, no entanto, por conta de nosso envolvimento com os refugiados árabes, permanecemos no País. Acabei de entregar minha tese de uma especialização em Religiões do Oriente Médio no Institute of Middle East Studies.

Quanto à interação entre cristãos e muçulmanos, tema que ocupa a segunda parte do eBook A doutrina da imutabilidade do Alcorão – Breve análise histórico-textual, a história de como eu reconheci Jesus como Senhor é uma das que mostram que, muito mais importante que refutar os fundamentos do islã, é apresentar a redenção dentro de um contexto maior.

Os cristãos têm muitos jargões, um vocabulário muito específico. Termos como sangue de Cristo ou justificação, por exemplo, são como uma língua estranha para a maior parte dos muçulmanos. Eles não compreendem a ideia de um Deus amoroso, que quer se relacionar conosco, a quem podemos chamar de Pai, que se tornou homem, que sofreu por nós. Confesso que, até hoje, em alguns contextos cristãos, sinto-me deslocada, e percebo que há cristãos que não se sentem confortáveis com o fato de eu vir de um contexto muçulmano. Existe uma certa desconfiança quanto a isso.

Penso que o caminho para uma interação entre cristãos e muçulmanos envolve tentar se colocar no lugar do outro e amar. Antes de um cristão querer evangelizar um muçulmano, é preciso amá-lo de verdade. A partir de um relacionamento genuíno, pode haver espaço para conversas honestas sobre Jesus Cristo. E o Espírito Santo de Deus abre o entendimento de forma sobrenatural.

Quando houver oportunidade, uma das boas interações pode ser a explicação da narrativa bíblica desde o início em vez de já se falar de Jesus como Deus que veio a nós. Como mencionei, os muçulmanos não têm a ideia de um Deus que nos criou para nos relacionarmos com ele, nem que esse relacionamento foi quebrado. O sacrifício substitutivo do filho de Abraão, história que conhecemos, também pode ser útil como um exemplo.

Que Deus nos ilumine!

 

Outubro de 2020

[1] Alá é a palavra que os cristãos árabes também usam para se referir a Deus. Você pode obter mais informações sobre esse tema na série de artigos “Alá é Deus?” publicada pelo Martureo Centro de Reflexão Missiológica: https://www.martureo.com.br/ala-e-deus-parte-1/.

Compartilhe!
0
    0
    Seu carrinho
    Seu carrinho está vazioVoltar para as compras