Há maneiras não proselitistas de se estabelecer novas igrejas em terras muçulmanas?

Projetos ibero-americanos de desenvolvimento não proselitistas que contribuem para a transformação social e estabelecem igrejas em terras muçulmanas

Christian Giordano

Seria eticamente válido estabelecer novas igrejas cristãs em territórios majoritariamente muçulmanos? É lícito que um projeto de desenvolvimento em terras muçulmanas inclua a plantação de uma igreja entre seus objetivos? Essas são perguntas que muitos se fazem ao pensar no trabalho missionário cristão em terras islâmicas.

De fato, o modelo que impera, pelo menos entre igrejas de viés evangélico, é o do proselitismo ativo a partir da compreensão de que a meta principal da Igreja é o estabelecimento de novas igrejas em locais onde não as há. No caso específico de missões de igrejas evangélicas para o islã, a prática mais disseminada é a da “camuflagem missionária”, ou seja, aqueles missionários que pretendem ocultar sua atividade principal sob a aparência de um negócio (business), de um projeto ou de um programa. Esse tipo de prática inclui uma estratégia de entrada (mais ou menos) elaborada institucionalmente pela igreja ou agência enviadora, cujo propósito é conferir credibilidade e apoio logístico à referida camuflagem.[1] Às vezes, esse modelo é chamado de bivocacional (ou biocupacional). Tal modelo implica uma dupla identidade: de um lado como missionário; de outro, como professor, comerciante, ativista social etc. Esse tipo de modelo missionário geralmente carrega sobre si uma visão reducionista do evangelho, mais focada na salvação individual. Além disso, ele também acaba por difundir uma eclesiologia norte-ocidental, ou seja, um formato de culto caracterizado pelo modelo “auditório”: um líder de louvor acompanhado por um grupo musical e um pregador, com uma participação limitada dos membros.

Esse modelo missionário, que estamos chamando aqui de proselitista, redunda em duas consequências específicas: por um lado, rapidamente a camuflagem do missionário é desconstruída por seus vizinhos muçulmanos. O que ele diz, o que faz e a sua mensagem (a vida diária, o trabalho e a evangelização) não mostram coerência. Não se trata de que diga e faça coisas incomuns, afinal todos os estrangeiros soam um pouco incomuns, o que, de fato, não constitui um grande obstáculo para uma convivência sadia. O grave nisso tudo é que os vizinhos muçulmanos captam uma falta de transparência, uma sensação de agenda dupla ou motivos escondidos. Na prática, o modelo de dupla identidade resulta em “suicídio missionário”, pois torna a pessoa inapta para o seu propósito original: fazer missão em um determinado contexto muçulmano.

Por outro lado, [como segunda consequência], o modelo de missão proselitista provoca uma sensação de invasão. “Eles nos invadem” é uma expressão frequente em jornais e outros meios de comunicação.[2] Essa percepção de ataque ou invasão, por sua vez, é o combustível perfeito para o chamado choque de civilizações.

Será que há alternativas ao modelo proselistista sem que se comprometa o elemento evangelizador intrínseco ao evangelho? O autor oferece uma alternativa, ainda que minoritária, a partir do estudo de doze projetos ibero-americanos em terras majoritariamente muçulmanas que encontraram maneiras de:

1) viver sua fé cristã de forma transparente, mas não ameaçadora;
2) comunicar um evangelho integral por meio de projetos variados;
3) evangelizar de forma aberta, contextual e não proselitista;
4) contribuir para a transformação social integral;
5) fomentar formas autóctones de igrejas cristãs.

Resumo dos doze projetos

Iniciemos com uma breve descrição dos projetos mencionados. São claramente ibero-americanos, levados a cabo por pessoas originárias da América Latina, Espanha e Portugal, cujas organizações também são ibero-americanas. Seu estilo de organização, de liderança e de procedimentos é visivelmente latino. São projetos com a mentalidade do Sul global realizados por pessoas desse mesmo mundo. São, também, projetos executados sob o escopo de pouquíssimos recursos, poucas influências e sem apoio (ou com pouco apoio) das embaixadas ibero-americanas ou organismos internacionais. Não se caracterizam por dispor de pressupostos quantitativos, mas por recorrer a muito contato pessoal e ao uso compartilhado de tempo com os nacionais. São, definitivamente, projeto levados a cabo junto com pessoas, associações e organismos nacionais: nascem, desenvolvem-se e são monitorados em conjunto. Os doze projetos estudados são de vários tipos:

  • desenvolvimento rural integral (água, saneamento, escolas, prevenção de saúde e higiene);
  • minorias e grupos de risco (incapazes, mulheres, crianças, analfabetos);
  • profissionalizantes (soldagem/soldadura);
  • trabalho médico;
  • colaboração universitária (idiomas e intercâmbios);
  • um projeto de negócios (restaurante).

Cada um deles, na verdade, faz parte de um grupo de projetos multidisciplinares, ou seja, não são projetos isolados, mas interconectados com outros subprojetos, ou eles mesmos são subprojetos de um projeto maior. Eles são desenvolvidos no norte da África (Marrocos e Tunísia), na África ocidental (Senegal) e na Ásia Central (Uzbequistão), ainda que o estudo inclua aportes pontuais de projetos similares na Mauritânia, Argélia, Turquia, Índia e Oriente Médio. Outro dado descritivo desses projetos é seu enfoque de longo prazo. Os trabalhadores ibero-americanos vinculados a tais projetos viveram, em média, dezessete anos e meio no campo.

Contexto dos projetos

Todos os doze projetos se localizam em contextos majoritariamente islâmicos: países em que mais de 90% da população se declara muçulmana. Entretanto, é necessário compreender que o islã não é somente uma religião (no sentido estrito do termo), mas um modo de vida e uma cosmovisão que afetam toda a cultura. As sociedades nas quais estão inseridos os projetos aqui referidos possuem fortes componentes do islã popular e do sufismo. Um dado evidente, e que não podemos deixar de lembrar, é que a grande maioria dos países muçulmanos não possui liberdade religiosa da maneira como em geral a entendemos. Isso quer dizer que a atividade missionária cristã (ou de qualquer outro credo, incluindo outra versão do islã) não é permitida, e que as pessoas não têm – na prática – o direito de mudar de religião. Todavia, o mundo muçulmano é muito diverso, e cada contexto manifesta peculiaridades importantes. O autor apresentou uma divisão do mundo muçulmano em seis grandes zonas, atendendo a cinco critérios: existência ou ausência de pluralismo religioso, condições de liberdade ou tolerância religiosa, aceitação ou rejeição dos projetos de desenvolvimento, admiração ou rejeição cultural do Ocidente e, por último, condicionantes missiológicos (como a missão cristã é realizada: de maneira formal, não convencional etc.). As grandes zonas são: Oriente Médio, Golfo Pérsico, norte da África, África ocidental, Ásia “exclusivista” e Ásia “pluralista”.

Relação entre desenvolvimento e plantação de igrejas: cinco modelos

Ao se falar sobre projetos de desenvolvimento e de estabelecimento de igrejas, devemos esclarecer que tipo de relação há entre ambos. De fato, não são poucos aqueles que alegam que as agências de desenvolvimento e seus projetos não deveriam se posicionar em questões de religião, mas manter ambas as esferas claramente diferenciadas. Uma nova concepção, mais de acordo com uma visão holística e multidisciplinar da sociedade, busca uma simbiose entre desenvolvimento e religião. No caso concreto de organizações de desenvolvimento vinculadas, direta ou indiretamente, com o cristianismo e o islã, a expansão de sua fé é parte intrínseca de si mesmas: a da’wa (ou dawah) muçulmana ou a evangelização cristã. Por essa razão, seria ingênuo pretender ignorar as múltiplas relações entre desenvolvimento e expansão da fé. Ao contrário, e focando no lado cristão evangélico, o autor propôs cinco modelos de relações entre projetos e igrejas, os quais denominou: povo único, dois públicos, uma só tarefa, direito de ouvir e benefícios para cristãos.[3] Esses modelos condicionam a própria concepção da missão cristã.

No primeiro modelo, público único, os missionários vivem encarnacionalmente entre os beneficiários do projeto, que são também o público entre o qual se pretende ver uma igreja estabelecida, ou seja, os que se convertem e formam a igreja são parte daqueles que foram beneficiários diretos do projeto. As pessoas veem a qualidade do trabalho ou da ajuda oferecida, mas o que especialmente lhes chama a atenção é a qualidade de vida dos missionários e, após certo tempo, elas perguntam: por que vocês fazem isso? Elas querem saber da fé daqueles missionários, chegando ao ponto de decidir, comunitariamente, escutar o evangelho. Pode-se dizer que a comunidade dá seu consentimento, tácito ou expresso, para a formação de uma igreja. De outra maneira, a pressão do grupo dificultará o surgimento de uma igreja viável, com possibilidades de futuro.

O segundo modelo separa a formação da igreja do projeto em si. Eu o chamei de dois públicos. Nesse modelo, evita-se qualquer impressão de proselitismo. Fica muito claro que se tornar cristão (converter-se) não acarreta maiores benefícios ou vantagens em relação ao projeto ou à ajuda oferecida. Também é um projeto encarnacional, mas os missionários se encarnam em outra esfera da sociedade, diferente da que recebe a ajuda. Eles vivem e se identificam mais com a classe profissional, com as pessoas de classe média, provavelmente pessoas da cidade, do governo, da sua vizinhança. Essas pessoas que observam o que está sendo feito pelos missionários são o público entre o qual se quer estabelecer a igreja. É necessário esclarecer que a equipe missionária é muito intencional, está muito focada em testemunhar sua fé, em discipular e reunir os discípulos entre aquele grupo “que vê” o que está sendo feito. São muito intencionais em estabelecer relações de amizade que propiciarão oportunidades para se compartilhar acerca do Messias e o que significa segui-lo. Isso não significa que os missionários estejam impedidos de testemunhar aos beneficiários do projeto ou a seus empregados (caso o projeto tenha contratado pessoal local), mas foi decidido que não se tiraria vantagem da diferença de poder entre doador e receptor de ajuda. A equipe escolheu outro caminho para que esse público ouça de Isa al-Masih (Jesus Cristo) e se incorpore à igreja. As portas são abertas para que perguntem. Os missionários são intencionais em criar canais e oportunidades de comunicação, mesmo que a iniciativa recaia sobre os que recebem a ajuda, e lhes esclarece – outra vez – que ser cristão não lhes trará benefícios ou vantagens em relação ao projeto. No que diz respeito ao projeto, todos recebem o mesmo tratamento e benefício, não havendo discriminação por causa da religião. Outra característica desse tipo de enfoque é que se buscam todos os meios para que a gente local esteja à frente da igreja desde o seu início. Os missionários são discipuladores e agregadores de discípulos[4], e adotam um papel secundário na formação, liderança, formato e estilo da igreja.

O terceiro enfoque, uma só tarefa, é o modelo daqueles que insistem que as boas obras não necessitam de justificativa, isto é, elas têm valor em si mesmas. É o enfoque dos profissionais que entendem que seu chamado é servir com sua profissão, e que outros levantarão a igreja. Eles são médicos, professores, engenheiros, terapeutas, entre outros, que também se sentem missionários e missionárias. Claro que não se eximem de testemunhar sua fé, e de fato aproveitam todas as oportunidades para falar do Senhor, oferecer uma oração ou entregar uma porção do Injil (evangelho). É um modelo perfeitamente válido, mas as expectativas devem estar claras para todos aqueles relacionados com o projeto (stakeholders). Além disso, sem querer, esse é o modelo daqueles missionários que não são suficientemente intencionais na formação da igreja. Eles têm uma “ilusão de intencionalidade”. Provavelmente manejam o projeto com muita destreza, mas nunca foram ensinados sobre como estabelecer uma igreja, ou então a forma como começaram igrejas em sua terra natal é demasiadamente distinta de como isso deveria ser feito naquele outro local. Eles desejam ver uma igreja formada, se alegrariam muito com isso, mas sua intencionalidade é limitada ou desencaminhada. A realidade é que uma igreja não se improvisa, não surge sozinha.

O quarto modelo é o de “ajuda + evangelização”. É o enfoque daqueles que dizem que “todos têm o direito de ouvir”, então, eu chamei essa quarta forma de relação entre o projeto e a igreja direito de ouvir. É um modelo que intencionalmente tira vantagem da assimetria de poder entre o doador e o necessitado, porque não considera se o beneficiário quer ou não ouvir o evangelho. Isso é imposto às pessoas. Receber um folheto, vídeo, propaganda, palestra ou outro recurso é condição sine qua non para a pessoa se beneficiar do projeto ou da ajuda. Na verdade, o direito que está sendo utilizado é mesmo o de falar: “nós temos o direito de falar da nossa fé”. Mesmo que no resto do mundo seja possível [ainda que não desejável] atuar dessa forma em qualquer circunstância, nos contextos muçulmanos, esse modelo geralmente é visto unicamente vinculado à ajuda humanitária em casos de catástrofes, porque, de outro modo, provocaria uma rejeição frontal e talvez até violenta. É um modelo que pode dar frutos no curto prazo, mesmo que seu efeito no longo prazo seja negativo.

Há um quinto modelo de relação entre o projeto e a igreja que eu nomeei benefícios aos cristãos. Trata-se daquele projeto que foca um público selecionado, que não beneficia a sociedade como um todo. Por exemplo, um projeto de microcrédito associado à igreja, ou de formação profissional para os crentes. São projetos que buscam empoderar os membros da igreja, inclusive para ajudá-los a sair de uma situação de marginalidade. Um exemplo conhecido é o que beneficia crianças coptas que vivem e trabalham nos lixões da cidade do Cairo. Esse tipo de projeto presume que já exista uma igreja ou grupo de crentes aos quais beneficiar. Este estudo se concentrou em situações específicas, ou seja, aquelas em que não existe igreja, sendo uma das metas contribuir para o nascimento de uma igreja. Por essa razão, o modelo chamado benefícios aos cristãos pode ser considerado tangencial em relação ao objeto do nosso estudo, mas não queríamos ignorá-lo. Esse modelo pode ser muito benéfico, mesmo que possa produzir ou fomentar “cristãos por interesse”. Seu valor é inegável a curto e longo prazos desde que os requisitos de acesso sejam claros com respeito ao resto da sociedade.

Características missionárias

Finalmente, convém descrever as características missionárias não proselitistas que podem ser observadas nessa dúzia de projetos. Agrupei-as nos parágrafos a seguir.

A primeira característica é a transparência, tanto do projeto em si como dos seus trabalhadores, em relação às suas motivações e sua fé cristã. Em clara oposição ao modelo de “camuflagem” já mencionado, esses projetos não proselitistas afirmam claramente ser seguidores do Messias, assim como sua intenção de abençoar a nação e seus habitantes em nome de Deus. Eles tampouco escondem que uma parte de seus fundos provêm de cristãos, em geral da América Latina, que doam como mostra de sua boa vontade para com os muçulmanos. Seus trabalhadores estrangeiros obtêm seus vistos por meio do projeto ou das organizações nacionais com as quais colaboram. Costumam abrir suas casas aos amigos e vizinhos, que os conhecem muito bem, assim como suas famílias, seu trabalho e suas motivações. Eles não têm nada a esconder: não se escondem para orar, nem para cantar, nem para realizar o culto cristão.

A segunda característica é a prática de um evangelho integral que abarca todas as áreas da vida. Uma parte importante dessa característica vem ligada ao projeto em si e seu interesse de suprir necessidades reais e sentidas pela população. O evangelho e o projeto estão intimamente unidos: o segundo é consequência do primeiro. De fato, muito frequentemente, surge a pergunta: “Por que vocês fazem isso por nós?”. A pergunta vem acompanhada de um esclarecimento explícito ou implícito – “Eu nunca faria isso por um infiel!” – já que, para o islã, buscar o bem para o dar el-harb (a casa da guerra, o território e a população infiel, não mulçumanos) é impensável![5] Essa pergunta oferece ocasião para explicar a razão da fé e da prática cristãs. Note que estamos falando de integralidade, que representa um passo além da concepção ocidental de somar palavras e ações, ou de acompanhar a pregação com trabalho social. A integralidade que essa dúzia de projetos exibe é um todo coerente, uma forma de vida que envolve tudo. Portanto, não cabe argumentar a prioridade de um aspecto sobre o outro como faz, por exemplo, o Pacto de Lausanne.[6]

A terceira característica é um estilo de evangelização aberto e notório. Esse fato parece surpreendente quando estamos falando de contextos majoritariamente muçulmanos. Presume-se, em contextos hostis ao evangelho (como é o caso de países de maioria muçulmana), que os evangelistas precisem ser discretos, que devam compartilhar sua mensagem pouco a pouco, sem levantar suspeitas, cuidando para não causar nenhuma agitação. A ideia é evitar a confrontação, e ganhar a confiança por meio do chamado “evangelismo por amizade”. Isso é justamente o contrário do que os missionários e projetos estudados praticam. Eles creem que a evangelização, por sua própria natureza, não pode ser discreta, passar despercebida, ser feita à meia luz ou às escondidas. A essência da evangelização é chamar as pessoas a uma mudança radical para seguirem a Jesus Cristo, e isso não pode ser feito de maneira discreta. Por isso, o propósito desses missionários não é passar despercebidos, pelo contrário, eles querem que sua vida seja plena do testemunho do senhorio de Jesus, querem de fato ser notados. Claro que aprenderam a fazer isso de forma não ameaçadora, de forma que as pessoas ao redor não se sintam objetos de proselitismo. Da mesma maneira, eles aboliram de seu vocabulário (e de sua mentalidade) todo vestígio de linguagem bélica. Esse tipo de linguagem é comum em grande parte do movimento missionário, que herdou noções colonialistas de conquista, vitória, avanço, expansão, guerra espiritual etc.[7] Ao contrário disso, esses obreiros também aprenderam a utilizar a linguagem religiosa própria de seu entorno, de tal modo que as pessoas entendam os conceitos espirituais e práticos que eles compartilham.[8]

A quarta característica é a transformação integral que esses novos projetos trazem às suas sociedades. Esse teor está bem relacionado com a segunda característica (evangelho integral) e, de fato, é um fruto direto dela. Os projetos e a vida inteira dos cooperadores-missionários não proselitistas mencionados questionam o status quo. Eles trazem mudanças de valores sociais profundamente arraigados. Por exemplo:

  • mudanças na percepção do valor intrínseco de todas as pessoas, incluindo as pessoas em situação de vulnerabilidade;
  • esperança para o futuro;
  • educação de qualidade para todos, independentemente do gênero, classe social ou capacidade econômica;
  • novas relações igualitárias e de qualidade entre classes profissionais diversas e classes sociais;
  • abertura a outras ideias e pessoas;
  • tolerância e pluralismo religioso;
  • fundamentação ecológica motivada por razões espirituais e religiosas.

Foram constatados avanços em quase todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) refletidos nos doze grupos de projetos estudados.[9]

É conveniente destacar que os missionários estudados podem ser descritos como ativistas sociais, mas, de uma maneira muito clara, eles estão distantes de modelos revolucionários. Eles se veem como hóspedes estrangeiros honoráveis e, como tais, esforçam-se por respeitar a cultura e as instituições locais ao mesmo tempo em que as colocam sob questionamento. Todavia, não são meros hóspedes respeitosos, também se veem como embaixadores do Rei do universo, encarregados de uma mensagem de transformação pessoal, comunitária, social e ecológica. É um equilíbrio difícil, que requer muito tato e uma amável firmeza. Claro que estamos falando de projetos limitados em seu alcance. É como se o alcance da transformação pessoal, social, empresarial e ecológica para a qual contribuem não fosse tão espetacular à primeira vista. Não é um alcance massivo, o que não quer dizer que não seja profundo e durável.

Por fim, a quinta característica é a promoção de igrejas autóctones (nativas) vibrantes e cheias de vitalidade. Estudamos dez igrejas que, de uma forma ou de outra, surgiram a partir de algum dos doze projetos mencionados. Cinco dessas igrejas são norte-africanas, uma é uzbeque e quatro são senegalesas. Criamos uma matriz de 23 x 13 características que mede graus de vitalidade, tempo de existência, diversidade de gênero, visibilidade, contextualização, dependência e liderança; combinada com variáveis ​​relacionadas à presença de minorias religiosas, cidade, tolerância, tipo de islã [praticado] e existência de pluralismo religioso. Essa primeira análise quantitativa deu lugar a uma análise qualitativa muito mais detalhada. O estudo dessas igrejas no norte da África, Senegal e, em menor medida, no Uzbequistão e na Turquia revelou a importância de dois elementos. Primeiro, o grau de integridade da igreja, ou seja, sua capacidade de responder não apenas a facetas espirituais da vida, mas a todos os aspectos, e isso de forma harmoniosa. Em segundo lugar, a capacidade de trabalhar uma identidade eclesial nacional, interna ou endógena, honrosa, credível, útil ou benéfica para a comunidade, transparente, relacional e que promova o salaam, o bem-estar relacional que vem de Deus. Como resultado, essas igrejas geralmente pequenas têm força e impacto surpreendentes. Eles transbordam de vibrante vitalidade.

Conclusão

Há maneiras não proselitistas de se estabelecer igrejas em contextos majoritariamente muçulmanos? A resposta do autor é afirmativa, e ele nos traz, como exemplo, um pequeno grupo de projetos de desenvolvimento ibero-americanos que contribuem para a transformação social integral “desde as bases”. Entendemos que essa possibilidade representa uma contribuição relevante para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, já que adiciona a dimensão espiritual – tão importante para as sociedades muçulmanas – aos objetivos mais clássicos (antigos ODM e Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD[10]), ainda mais que isso é feito em colaboração ou aliança entre grupos de pessoas de países muçulmanos e ibero-americanos (ODS#17).

Vale salientar que esse exemplo é minoritário, não podendo de nenhuma maneira qualificar-se como espetacular, e está por comprovar o grau de extrapolação em outros contextos. Ainda assim, é digno de consideração. Constitui uma alternativa, nesse caso não governamental, ao “choque de civilizações”, alternativa essa protagonizada por pessoas de fé cristã em conjunto com pessoas de fé muçulmana numa base de respeito mútuo.

Sobre o autor
Christian Giordano é espanhol, missiólogo e missionário com experiência prática: passou mais de 40 anos plantando igrejas na Espanha e no mundo muçulmano. Ele concluiu seu PhD na Amsterdam Free University. É um dos raros evangélicos espanhóis especialistas em islã que servem como uma ponte entre a América Latina, a Espanha e o mundo muçulmano. É professor na Facultad de Teología Asambleas de Dios (Córdoba, Espanha) e na Eastern University (USA). Além disso, desde 1994, serve na PM Internacional, uma agência missionária formada principalmente por missionários latino-americanos com sede em Granada, Espanha, e com foco na missão ao islã.

 

 

[1] Eu me opus a essa forma particular de estratégia de entrada disfarçada. “As agências missionárias aprovam e sancionam estratégias abertamente enganosas quando criam planos para dissimular, encobrir e disfarçar atividades evangelísticas em lugares e entre povos que não as receberiam se conhecessem a verdade. Uma luta psicológica individual semiconsciente [por conta da identidade missionária público/ privada] tornou-se uma questão estrutural.” Christian Giordano, “Identity, Context and Message: Iberoamerican mission in Muslim lands” (Brunel University, London School Theology, 2008), 24, https://doi.org/10.13140/RG.2.1.2644.4241.

[2] Al-Jazeerah, “Al-Jazeerah: 6 Million Muslims convert to Christianity in Africa alone each year”, Muslim Statistics (blog), 14 de dezembro de 2012, (esse item foi removido do site da Al-Jazeerah, mas pode ser acessado em http://www.orthodoxytoday.org/articles6 /AlJazeerahAfrica.php). Veja também Salah Gemriche, Le Christ s’est arrêté à Tizi-Ouzou. Enquête sur les conversions en terre d’islam, Impacts (Paris: Denoël, 2011), http://www.decitre.fr/livres/le-christ-s-est-arrete-a-tizi- ouzou-9782207108994.html; La Rédaction, “Jésus en terre marocaine”, Le temps Maroc (hebdomadaire), pp 12-23, 2009; Catherine Simon, “Nouveaux chrétiens au Maghreb”, Le Monde, 5 de março de 2005, edição on-line, sec. A la une, http://www.lemonde.fr/a-la-une/article/2005/03/05/nouveaux-chretiens-au-maghreb_400445_3208.html.

[3] O autor adaptou e expandiu essa classificação de Andrés Guzmán. “Ourselves as Servants”, Perspectives on the World Christian Movement, Reader 4t. Ed. (Pasadena, CA.: William Carey Library, 2009), 700-702; Andrés Guzmán, Iglesias + Proyectos –Entrevista AD, Skype-Internet, 4 de janeiro de 2012; Christian Giordano, “Integralidad, Iglesias y Desarrollo en Islamía”, janeiro de 2012.

[4] Pedro Arana costumava dizer: “Sejam discípulos, façam discípulos e reúnam discípulos”. C. René Padilla, Samuel Escobar e Pedro Arana, O Deus Trino e a Missão Integral (São Paulo: Garimpo Editorial, 2018).

[5] A paz com os infiéis é obtida por meio da luta e de sua submissão ao islã. (Observe que a palavra “islã” significa submissão.) Apenas o bem daqueles que pertencem a dar al-Islam é procurado, o que também é dar el-salaam, casa da paz. Timothy J. Woods, “Islam, Peace and the Quest for Justice”, Theology 109, No. 852 (1 de novembro de 2006): 412-19, https://doi.org/10.1177/0040571X0610900603; David W. Shenk, “Tres caminos para la paz: Jesús, Constantino y Muhammad” (Dialogo con el Islam, Seminario UEBE, Alcobendas (Madrid), 2004), 1-7, http://www.mwc-cmm.org/sites/default/files/website_files/mis_com_fd_shenk_d._three_journeys2.pdf; Francisco Franco Sánchez, “La noción de paz en el pensamiento religioso islámico y su plasmación en al-Andalus”, 2010, 173; C. Gomez Camarero et al., “Una lectura del Coran desde la paz”, Miscelánea de estudios árabes y hebraicos 46 (1997): 113-48; C. van Arendonk e D. Gimaret, “Salām (1)”, Encyclopaedia of Islam (Leiden, NL: Brill Online, 2013), http://www.brillonline.nl/entries/encyclopaedia-of-islam-2/salam-SIM_6520; Richard C. Martin, ed., Encyclopedia of Islam and the Muslim World, vol. 2 (Nova York, N.Y: MacMillan Reference|Thomson-Gale, 2004).

[6] “Na missão de serviço sacrificial da igreja, a evangelização é primordial.” LCWE, “Pacto de Lausanne”, LCWE, 1974, # 6, https://www.lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/pacto-de-lausanne-pt-br/pacto-de-lausanne.

[7] Para uma descrição mais detalhada da linguagem missionária belicista, ver Evangelical Fellowship of India Theological Commission, “Statement on Mission Language, EFI”, International Review of Mission 90, no 356-357 (2001): 190-91, https://doi.org/10.1111/j.1758-6631.2001.tb00282.x; School of World Mission, Fuller Theological Seminary, “US Consultation on Mission Language and Metaphors” (1-3 de junho de 2000), http://www.ad2000.org/re00620.htm. Além disso, consulte J. R. Krabill, D. W. Shenk e L. Stutzman, Anabaptists meeting Muslims: A Calling for Presence in the way of Christ (Scottdale, PA: Herald Press, 2005); Deenabandhu Manchala, “Moving in the Spirit: Called to Transforming Discipleship: Reflections from the Vantage Points of the Marginalized People”, International Review of Mission 106, no 2 (2017): 201–215, https://doi.org/10.1111/irom.12180; Willis Horst, Ute Muller-Eckhardt e Frank Paul, Misión sin conquista: Acompañamiento de comunidades indígenas autóctonas como práctica misionera alternativa, 2ª ed. aumentada (Buenos Aires, Argentina: Kairos Ediciones, 2011), http://www.kairos.org.ar/index.php?option=com_content&view=article&id=152:missãonãoconquistada&catid=53:news-ek&Itemid=125; Christian Giordano, “Identidad, contexto y mensaje”, Rios en Tierra Seca, ed. Federico A. Bertuzzi (Granada, Espanha: Musulmania, 2012), 275-86.

[8] O conceito de evangelização aberta não é novo. Tem sido defendido por especialistas em ministério para o mundo muçulmano como Henry Martyn, Don McCurry, Charles Marsh, Roland Muller e David Shenk, para citar os mais conhecidos e mais recentes. Don McCurry, Esperança para os muçulmanos (Londrina: Editora Descoberta, 1999); Healing the Broken Family of Abraham: New life for Muslims (Colorado Springs, CO: MTM (Ministries to Muslims), 2001); “Estudio comparativo entre la fe cristiana y el islam” (Cursos verano IIbET, Málaga, España, 2007); Charles Marsh, Comparte tu fe con los musulmanes (Terrassa (Barcelona): CLIE, 1986); Roland Muller, Honor and Shame: Unloking the door, 1a ed. (Filadélfia, PA, EUA: Xlibris Corporation, 2001); The Messenger, The Message, The Community: Three Critical Issues for the Cross-Cultural Church-Plantter (Saskatchewan, Canadá: CanBooks, 2006), www.canbooks.comTools for Muslim Evangelism, e-book (Hamilton, Ontário, Canadá: WEC Canadá, 2000), http://www.rmuller.com/tools.html; e David Shenk “Messianic Hope in Biblical Eschatology” (International Conference on the Mahdism Doctrine, Quom, Irã, 2006), 12; “¿Quién es Jesús”, Misiopedia.com, outubro de 2009, (traduzido de D. Shenk, “Incarnation: Obstacles and Bridges,” in Anabaptists Meeting Muslims, ed. Krabill, Shenk, and Stutzman.)

[9] Consulte https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/sustainable-development-goals.html. Os objetivos não contemplados pelos projetos estudados são: # 7 (Energia acessível e limpa) e # 14 (Vida aquática).

[10] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (N. do T.)

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